Três condenações à morte e a prisão de 75 dissidentes movimentaram numeroso contingente de críticos e defensores do regime cubano. Sobre o próprio fato desencadeador da contenda pouco ou nada se viu nos órgãos de imprensa, que dedicaram espaços generosos às opiniões e contraditos.  

Não foi suficiente para a imprensa contextualizar a decisão da justiça cubana uma longa entrevista coletiva do chanceler Felipe Pérez Roque — com 82 jornalistas, de 59 veículos de imprensa, de 27 países. Também não foi suficiente que a íntegra desta entrevista tivesse circulado livremente pela Internet. Sequer serviu de estopim que a Folha de São Paulo tivesse publicado artigo de Miguel Urbano Rodrigues que continha informações extraídas daquela entrevista.  A própria FSP não aproveitou seu conteúdo para aprofundar o tema.  

Veja o que disse Pérez Roque em sua entrevista sobre o julgamento dos dissidentes, quando foram reveladas todas as tramas do governo norte-americano, através da sua Oficina de Interesses dos Estados Unidos em Havana, órgão oficial, sob o comando de James Cason, velho amigo de George W. Bush.

Para pressionar internamente, os EUA coordenaram e financiaram a criação de uma Associação de Jornalistas Independentes e de um partido político unificando as resistências à Revolução, chamado Partido dos Direitos Humanos em Cuba. A primeira encarregava-se de alimentar de informações principalmente a Rádio Martí e os jornais americanos e o segundo para disseminar mundo afora as denúncias de violação de direitos humanos no país.

Em seus depoimentos, agentes cubanos infiltrados nos “movimentos” passaram toda a ficha. Já se sabe, e a imprensa mundial ignorou, que dos 37 “jornalistas” condenados, apenas 14 eram efetivamente formados em jornalismo e apenas 4 já tinham exercido a profissão algum dia. Segundo o depoimento do agente Nestor Baguer, apenas um de todos os que formaram a tal Associação pode ser chamado de jornalista. Os demais eram mercenários, regiamente pagos com recursos do governo norte-americano, corrompidos por dinheiro, equipamentos eletrônicos, câmeras fotográficas e todo tipo de regalia. O esquema funcionava dentro da Oficina de Interesses dos EUA em Havana. James Cason fazia reuniões para estimular todo tipo de sabotagem, seqüestros e ações de desestabilização do regime cubano. O esquema consumiu cerca de US$ 26 milhões.

A imprensa internacional que compareceu à entrevista do chanceler cubano deu risadas quando a própria presidente do Partido dos Direitos Humanos em Cuba revelou ser, ela mesma, com muito orgulho, uma agente a serviço do Estado Cubano. Tânia revelou o que estava por trás da formação do partido, fontes de financiamento, valores, ações, intenções, planos e tudo mais, com a riqueza de detalhes de quem estava na linha de frente da montagem do esquema, sob inspiração e ordens de… James Cason.

Não é papel da imprensa acreditar nesta ou naquela versão. Mas uma audiência pública de uma autoridade cubana deve necessariamente integrar as matérias que tratam do assunto, a seleção dos assuntos precisa obedecer a critérios de relevância e abrir espaço ao contraditório.

Três pessoas foram condenadas à morte. Dissidentes (sic) foram condenados a penas de prisão entre 6 e 28 anos. Isso é um fato jornalístico. No entanto, uma denúncia de conspiração do governo de uma nação para derrubar o governo de outra, com testemunhas e provas documentais, não é digno de investigação e publicidade pela nossa imprensa.