O programa 6 e Meia do NPC e apresentado pela jornalista Claudia Santiago e tem o apoio da Fundação Rosa Luxemburgo. Este programa foi ao ar no dia 18 de março de 2021.
[Rafael Lopes*] A pandemia provocada pela Covid-19 gerou significativa mudança nos hábitos virtuais dos usuários brasileiros. Mesmo antes deste cenário, as ferramentas digitais ganhavam, vertiginosamente, novos adeptos mundo afora. De acordo com reportagem publicada pela revista Exame, 450 milhões de pessoas no mundo passaram a utilizar alguma rede social no ano passado. E o Instagram foi a plataforma que mais cresceu.
São influenciadores digitais, blogs, empresas, serviços, dentre outros, disputando a atenção de quem transita pelo mercado dos algoritmos. E na contra correnteza dessa avalanche estão a comunicação e o marketing da esquerda, produzido por sindicatos, entidades de classe, partidos políticos etc. E a fluida inovação característica da internet coloca cada vez mais desafios na disputa e na produção de conteúdo digitais à frente progressista. E num cenário desses, como criar novas estratégias de comunicação sindical?
“Tecnologicamente falando, a gente teve que se adaptar com muita velocidade, porque antes dessa pandemia nossos dirigentes sindicais não tinham muito domínio das redes sociais. Estavam aprendendo, levando caixote. E tiveram que correr atrás. Em paralelo a isso, vemos produções acontecendo e ocupando esse espaço das redes sociais. As lives pipocaram e estão atingindo outras dimensões da classe trabalhadora, falando sobre questões de saúde durante a pandemia”, destaca a jornalista e apresentadora do programa “Democracia No Ar”, da rádio Atitude Popular, Marina Valente.
Marina, que também é sócia da agência Metamorfose Comunicação, no Ceará, lembra de ações que precisaram usar a criatividade para saírem da bolha. No Sindicato dos Servidores do Judiciário (SinJustiça-CE), ela ressalta que as lives promovidas pela entidade tiveram também uma pegada cultural, com transmissão da típica festa de São João nas redes.
Outra campanha que contou com a produção da jornalista, foi a do Sindicato dos Agentes e Servidores Públicos do Sistema Penitenciário do estado do Ceará (Sindasp-CE) quando os líderes sindicais lançaram a ação “Eu me protejo, eu te protejo”, no ano passado. A ideia era conscientizar a categoria sobre uma possível proliferação dentro do sistema penal. Segundo Marina, a campanha viralizou e se transformou numa referência dentro do grupo nacionalmente.
Mas foi a ação promovida pelos servidores públicos da Prefeitura do Ceará que mais inovou na criatividade ao enfrentar a destruição de direitos trabalhistas.
“Em plena pandemia, sem ouvir os servidores, o prefeito retirou uma quantidade enorme de direitos. E aí não teve jeito, a categoria teve que ir para as ruas. Mas foram de um jeito muito criativo. Criaram uns bonecos impressos, do tamanho real de uma pessoa, segurando megafones, bandeiras e fizeram um protesto de carro e colocaram as figuras colocadas nos veículos para representar a população na rua.”
Na comunicação, nada se perde
No veloz mundo da comunicação, a convergência de mídias pode trazer de volta antigas estratégias que se transformam em poderosas ferramentas de mobilização coletiva. O jornalista e cientista político Guilherme Mikami lembra da recente campanha de lambe-lambe ‘Bolsocaro’, que começou com cartazes colados nas ruas de São Paulo, criticando o aumento absurdo de produtos alimentícios durante a pandemia e logo ganhou repercussão em outras cidades do Brasil e viralizou nas redes sociais.
“Uma ideia muito bacana que não é nova, mas foi menosprezada por um tempo e voltou com bastante fôlego. É a reinvenção de velhas estratégias. Foi muito inteligente. Isso é convergência de mídias”.
Do ponto de vista da comunicação sindical, afirma o cofundador da agência de Comunicação Sindical Abridor de Latas, temos que nos apropriar das novas estratégias e ferramentas de comunicação e marketing. É isso que falta quando se fala em comunicação sindical: pensar em estratégia, objetivo, método e escolher as armas à disposição, dentro de cada realidade das entidades sindicais. O marketing digital está aí para mostrar que funciona.
“Usamos ferramentas de marketing voltadas para o movimento sindical, mas o pessoal não está muito acostumado. Acham isso muito comercial. Mas ali existem estratégias fabulosas de como você dialoga com as pessoas e leva conteúdos de conscientização. Não é um processo fácil. Aqui a gente lida com várias categorias diferentes: professores, transporte, saúde pública e privada, etc. E para cada uma delas temos estratégia para entender o que está por trás do conjunto da categoria. Como pensam e como você leva informação para dentro de cada grupo.”
Ainda de acordo com Guilherme, existe a dificuldade do movimento sindical em inovar nas abordagens. “Isso é uma coisa que adoramos fazer na Abridor de Latas. Estamos sempre pensando em como um conteúdo pode ser diferente A gente ousa!”
Além das investidas no mundo digital, a agência também realiza ações e campanhas de conscientização utilizando outras linguagens. Quando foram chamados para criarem ações mostrando o terror do governo Bolsonaro contra as universidades, não tiveram dúvidas. Resolveram se inspirar no mundo do cinema, na estética dos filmes de terror. O filme ‘It: A coisa’ serviu como fonte.
“Era outubro, mês do halloween. Fizemos flashmobs e levamos palhaços para fazer entregas de panfletos. Foi uma maneira que encontramos para dialogar além do nosso campo. E deu certo. A gente não dialoga com o contraditório. Isso é uma coisa que o movimento sindical peca muito.”
E para os haters de plantão, Guilherme afirma que a agência também tem estratégia.
“Construímos a campanha de uma forma que a gente tenha elementos para dialogar. Não é só fazer post. Temos materiais pensando no que vem de fake news, ataques e dúvidas. São dezenas de textos e vamos respondendo a cada comentário. Nem todo hater é um radical, às vezes, se transformou em um por falta de informação. E nós temos pessoas na equipe o tempo todo para essa função.”
Arriscar é preciso
Marina e Guilherme são enfáticos nesse ponto. Não há como mobilizar os trabalhadores nas redes sociais sem experimentar novas linguagens, formatos e abordagens.
À frente do programa radiofônico ‘Democracia no Ar: Jornalismo sindical e a Luta pela hegemonia’, a jornalista relembra que quando começou a usar humor durante a apresentação da rádio foi muito criticado pelos colegas de estúdio. Mas a audiência foi crescendo e hoje o programa faz parte da grade de 14 rádios retransmissoras e transmissão em 24 páginas do Facebook.
“Até chegar a isso eu ouvi muito puxão de orelha. E tinha que dizer: eu sou jornalista formada, sei o que estou fazendo. Me respeitem enquanto profissional. Tem que perder a vergonha. Nossos dirigentes sindicais têm muito medo de arriscar o diferente, de quebrar os padrões. Somos muito sérios, às vezes tacanhos, antiquados. No meio virtual é preciso ser leve para atrair e usar códigos da linguagem daquele meio.”
Guilherme vai no mesmo sentido e percebe que diversas vezes falta criatividade para o movimento sindical. Os usuários das redes sociais recebem diariamente um grande volume de informações e para conseguir chamar a atenção dos usuários, a comunicação progressista não pode lançar mão das novas ferramentas que surgem nas redes sociais.
“Quando produzimos alguma coisa bacana, mais impactante, criativa temos chances de ter mais repercussão. Quando a gente faz campanha em defesas das categorias, com abordagens diferentes nós temos reações muito maior por parte das pessoas, em termos de comentários e compartilhamentos. Tem que ter ousadia. Porque só assim vamos nos diferenciar. Temos que pensar grande, pensar em ações de massa. A Abridor de Latas consegue atingir anualmente 40 milhões de usuários com nossas campanhas. Se a gente tivesse mais gente fazendo diferente, estaríamos mais adiante. Porque só assim vamos ter condições de enfrentar essa galera.”
Investir em ações de comunicação é prioridade num momento em que existem categorias inteiras ameaçadas de perder não apenas os direitos, mas de deixarem de existir. Hoje, o Brasil conta com mais trabalhadores precarizados do que celetista e as entidades sindicais não podem deixar esses trabalhadores de lado. A uberização das relações de trabalho é uma realidade. Foi no terreno fértil dos trabalhadores precarizados que surgiram as últimas grandes mobilizações coletivas: ‘breque dos apps’ e ‘entregadores antifascistas’ são exemplos disso. O movimento sindical precisa compreender as estratégias de comunicação e marketing não como um apêndice, mas como elementos centrais na luta de classes na atualidade.
- Rafael Lopes* é jornalista e faz parte da Rede de Comunicadores do NPC
- Edição de Texto e revisão: Moisés Ramalho, jornalista e antropólogo.