Paul Greengrass conseguiu fazer um filme cheio de suspense, apesar de todos conhecerem o final da estória. O segredo foi dar à sua obra um formato de documentário. Mas, seu filme revela menos sobre o terrorismo e mais sobre o terrível poder de manipulação das imagens e sons.
“Vôo 93” é uma produção sobre o seqüestro e queda de um avião da United Airlines em 11 de setembro de 2001. Trata-se de uma das quatro aeronaves de passageiros tomadas por terroristas com o objetivo de jogá-las sobre alvos civis e militares nos Estados Unidos. O mais famoso deles foram as torres gêmeas do World Trade Center, em Manhattan, atingidas por dois aviões. Uma terceira aeronave caiu sobre o Pentágono, centro militar norte-americano. Mas, o quarto avião acabou caindo em região deserta, sem chegar a seu alvo, que seria o Congresso Nacional do País. É deste último caso que trata o filme de Greengrass. Segundo investigações posteriores, o aparelho da United teria caído antes de chegar ao objetivo porque seus passageiros teriam se rebelado contra os seqüestradores. Na confusão para tomar o controle da aeronave, todos morreram.
O tema seria um prato cheio para Hollywood não fossem todos os riscos envolvidos nele. O maior seria o de explorar comercialmente o trauma que envolveu os ataques e suas vítimas. Depois, viria a tentação de transformar o episódio em “patriotada”. Colocar, de um lado, o “povo eleito”, nascido em terras ianques, e de outro lado, “os bárbaros” vindos do Oriente. Um terceiro risco seria o de transformar o drama num dramalhão, que se arrastaria até um final que todos já conhecem. É esperar para ver se Oliver Stone e outros diretores que estão produzindo filmes envolvendo esses episódios não cometem tais erros.
Já, Greengrass parece ter conseguido fugir a todos esses riscos usando um recurso bastante eficiente. Deu ao filme uma forma parecida com a de um documentário. Para começar, dispensou atores famosos, impedindo que o espectador se concentrasse apenas em alguns personagens. Ao invés disso, ao lado de alguns atores profissionais, usou amadores, inclusive pessoas que estiveram envolvidas no caso. São parentes e colegas de trabalho das vítimas do ataque. Além disso, o diretor limitou-se ao episódio. Não abordou a vida familiar dos pilotos, aeromoças e passageiros. O velho truque, por exemplo, de mostrar o piloto do avião tomando café-da-manhã com sua linda família sem saber da tragédia que se aproxima. Ou da aeromoça ansiosa por encontrar o namorado no outro lado do Atlântico e da passageira com um casamento em crise. Nada disso. O filme começa com os procedimentos normais de tripulantes e passageiros e dura exatamente o tempo que durou o terrível vôo daquela aeronave. São 90 minutos muito bem administrados pela direção do filme.
Mas o grande recurso utilizado foi o manejo da câmera. As imagens estão sempre oscilando, fora de quadro, nervosas. Parecem feitas por um repórter buscando suas imagens da melhor maneira possível diante de fatos que não controla. A cena que mostra os terroristas se preparando para o ataque em seu apartamento assemelha-se a tomadas feitas por alguém que não quer chamar atenção para si ou atrapalhar. Tanto o ataque dos terroristas, como o final trágico, com a queda do avião, assustam mais pelo pânico que transmitem do que por detalhes ou efeitos especiais. Aliás, estes não existem. Uma verdadeira proeza, em se tratando de um filme sobre o “11 de Setembro”.
Mas, o que chama a atenção é exatamente isso. Seria possível um filme desse tipo em tempos em que as notícias não fossem transmitidas com tanta dramaticidade? Perseguições policiais filmadas de perto por jornalistas são cada vez mais comuns. Câmeras que flagram acidentes, roubos, crimes também já se tornaram banais. O grande achado de Greengrass foi saber aproveitar-se disso para exatamente fugir ao convencional “filmão” holywoodiano. Por outro lado, quem vai assumindo esse papel é a notícia, tratada como espetáculo pelos jornais televisivos. A reportagem ganha contornos de invenção e a invenção usa a dinâmica da descrição. Parabéns ao diretor do “Vôo 93”. Mas, é alarmante que seu filme revele menos sobre o terrorismo e mais sobre o terrível poder de manipulação das imagens e sons.
Sérgio Domingues – setembro de 2006