[Por Ricardo Machado – Da IHU Online] Tendo em vista, também, as obras decorrentes dos megaeventos em que o Brasil será sede nos próximos anos, um grupo de pesquisadores resolveu monitorar de maneira sistemática as mudanças que estão ocorrendo em 14 metrópoles e uma aglomeração urbana. São elas: Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Curitiba, Goiânia, Recife, Salvador, Natal, Fortaleza, Belém, Santos, Vitória, Brasília e a aglomeração urbana de Maringá. Para explicar o trabalho do Observatório das Metrópoles, a IHU On-Line entrevistou por e-mail o professor e pesquisador Rômulo José da Costa Ribeiro.
“Acompanhamos as execuções das obras e os custos além do impacto social em áreas e em populações nas cidades-sede. Sou responsável pela pesquisa nas cidades de Brasília, Cuiabá e Manaus. Para estas três cidades, o que temos apurado é um descompasso entre o gasto efetuado e o possível legado para a população”, explica.
“O principal monitoramento tem sido feito a partir dos sítios de transparência, do acompanhamento dos comitês populares e dos sítios de notícias. Dessa forma, acompanhamos as execuções das obras e os custos além do impacto social em áreas e em populações nas cidades-sede”, complementa Rômulo.
Rômulo José da Costa Ribeiro é formado em Geologia e realizou mestrado e doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Nacional de Brasília – UnB. Coordena o Núcleo Brasília-RIDE do INCT do Observatório das Metrópoles (IPPUR/UFRJ). É professor da UnB no curso de graduação em Gestão Ambiental e Ciências Naturais e no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural, no campus Faculdade UnB Planaltina – FUP. Atua no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, da Faculdade de Arquitetura e urbanismo no Campus Darcy Ribeiro. Tem experiência na área de planejamento urbano e regional, com ênfase em técnicas de análise e avaliação urbana e regional.
IHU On-Line – Do que se trata o Observatório das Metrópoles?
Rômulo Ribeiro – Constituímos um grupo que funciona como um instituto virtual, reunindo atualmente 159 pesquisadores (dos quais 97 principais) e 59 instituições dos seguintes campos: universitário (programas de pós-graduação), governamental (fundações estaduais e prefeitura) e não governamental. Isso está sob a coordenação geral doInstituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPPUR.
As instituições reunidas hoje no Observatório das Metrópoles vêm trabalhando de maneira sistemática sobre 14 metrópoles e uma aglomeração urbana: Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Curitiba, Goiânia, Recife, Salvador, Natal, Fortaleza, Belém, Santos, Vitória, Brasília e a aglomeração urbana de Maringá.
Formamos um instituto em rede sobre o tema das metrópoles brasileiras e os desafios do desenvolvimento. Trata-se de um projeto inovador em razão da articulação entre sociedade civil, academia e poder público, por utilizar uma metodologia unificada de pesquisa, monitoramento e intervenção e, ainda, por explorarmos uma mesma base de dados.
A produção de resultados comparáveis tem nos permitido a identificação de tendências convergentes e divergentes entre as metrópoles, geradas pelos efeitos das transformações econômicas, sociais, institucionais e tecnológicas pela qual passa a sociedade brasileira nos últimos 20 anos.
Acreditamos que o conhecimento gerado, embora se refira especificamente às 15 regiões mencionadas, assegura uma compreensão mais ampla a respeito dos impactos das transformações sobre as grandes cidades brasileiras, permitindo confrontar os resultados alcançados com as tendências apontadas pelas pesquisas internacionais. O Observatório das Metrópoles é coordenado pelo professor Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro [1].
IHU On-Line – Pode explicar de forma sintética quais eixos em que o projeto concentra esforços e qual a importância de cada um deles?
Rômulo Ribeiro – Vamos aos quatro eixos.
– Desenvolvimento econômico: No que se refere a este primeiro eixo analítico, o objetivo é avaliar os impactos econômicos sobre as metrópoles sob o ponto de vista da integração social e da justiça social, identificando-se os setores e os agentes que estão sendo, ou serão, beneficiados ou impactados negativamente pelas intervenções. Busca-se, entre outros aspectos, identificar processos de dinamismo ou de concentração/desconcentração econômica; eventuais processos de aumento/redução da dívida pública; indicadores de sustentabilidade dos investimentos realizados; impactos sob o ponto de vistas do crescimento do emprego e da renda, com ênfase no setor popular e informal da economia.
– Equipamentos e serviços urbanos: Com a realização da Copa do Mundo de Futebol em 2014 e dos Jogos Olímpicos em 2016, diversas obras, seja de infraestrutura urbana seja esportiva, vêm sendo construídas nas cidades-sede. Isso posto, o segundo eixo procura pesquisar, sobretudo, o grau de acesso da população aos equipamentos que serão construídos.
– Moradia e dinâmica urbana e ambiental: No que se refere a este eixo, o objetivo da pesquisa é avaliar os impactos dos megaeventos esportivos sobre a configuração socioespacial das cidades, em termos da implantação de equipamentos e serviços coletivos, ampliação do acesso à moradia, da distribuição dos diferentes grupos sociais na cidade (identificando eventuais processos de diferenciação, segmentação e segregação urbana) e dos impactos ambientais das intervenções. Busca-se, entre outros aspectos, identificar processos de remoções e violações do direito à moradia, processos de ampliação da segregação urbana e da desigualdade socioespacial, processos de injustiça ambiental, valorização imobiliária e sustentabilidade dos investimentos realizados.
– Governança urbana e metropolitana: Este eixo trata do impacto dos megaeventos esportivos sobre as coalizões de forças sociais e políticas e a governança urbana e metropolitana das cidades, em termos da emergência de novas composições de agentes e interesses, da ampliação dos espaços de participação sociopolítica, de processos de organização de movimentos sociais e de processos de monitoramento e controle social.
IHU On-Line – Como está sendo feito o monitoramento e que resultados as pesquisas apontam?
Rômulo Ribeiro – O principal monitoramento tem sido feito a partir dos sítios de transparência, do acompanhamento dos comitês populares e dos sítios oficiais de notícias. Dessa forma, acompanhamos as execuções das obras e os custos além do impacto social em áreas e em populações nas cidades-sede. Sou responsável pela pesquisa nas cidades de Brasília, Cuiabá e Manaus. Para estas três cidades, o que temos apurado é um descompasso entre o gasto efetuado e o possível legado para a população. Além disso, em função de problemas de gestão de obras, vários empreendimentos que constavam na Matriz de Responsabilidade assinada com a Fifa foram retirados, pois não é mais possível executar as obras para a Copa de 2014, em sua maioria obras estruturantes ligadas à mobilidade urbana.
Verificamos também que, no que se refere à segurança, os governos locais e federal estão se preocupando apenas com o policiamento ostensivo e repressivo, mas pouco ou nada tem sido investido nas áreas de saúde e corpo militar de bombeiros, que também são elementos dentro do tema de segurança. Isso só para citar poucos exemplos. Este é um tópico extenso que trataremos em livros sobre cada cidade-sede, que serão publicados no ano de 2014.
IHU On-Line – Quais impactos são resultantes das obras da Copa do Mundo nas cidades-sede?
Rômulo Ribeiro – Os principais impactos são socioambientais. Temos acompanhado a triste situação de desapropriação de comunidade com mais de 40 anos residindo em locais que agora precisam ser reestruturados para o megaevento. Essas populações são majoritariamente de baixa renda e sem condições de obter outra moradia. As indenizações são muito aquém do mercado imobiliário, o que faz com que tenhamos uma população sem habitação e sem condições de consegui-la por causa dos megaeventos.
Ambientalmente temos visto um descaso com as leis no país, tais como desmatamentos, ocupação de áreas de proteção ambiental, obras sem o estudo de impacto sendo aprovadas pelos órgãos municipais, tudo em função de viabilizar o evento. Além disso, a falta de transparência com a qual a população tem sido tratada é outro ponto assustador.
IHU On-Line – Segundo os estudos realizados, onde estão havendo e quais são as principais violações de direitos humanos relacionados às intervenções urbanas?
Rômulo Ribeiro – Estão ocorrendo nas desapropriações. Em diversas localidades verificamos que o governo tem atuado utilizando a desinformação da população para enfraquecê-la e assim proceder com a retirada dos moradores com a menor resistência possível. Além disso, os valores pagos, quando são pagos, estão muito abaixo do mercado imobiliário, como dito acima. Outro problema é a falta de critério para definir os valores de indenização: há casos no Rio de Janeiro que variaram entre R$ 5 mil a R$ 80 mil. O que fica claro é a falta de interesse na inclusão dessas populações marginalizadas no sistema formal da cidade.
IHU On-Line – Em relação aos legados dos megaeventos, os indicativos até o momento apontam qual saldo? Em que medida a população poderá se beneficiar das obras?
Rômulo Ribeiro – O legado tem se mostrado pontual e muito aquém do que é noticiado pelo governo. No caso de Brasília, a única grande obra é a Arena Nacional, que ainda é uma incógnita de como será economicamente viável, uma vez que Brasília não é rota de grandes shows e eventos. O que se cogita é que a Arena fique ociosa e os custos acabem tendo que ser bancados pelo governo local com dinheiro público. Manaus é outra incógnita, pois as obras estão atrasadas, as intervenções de mobilidade só ficarão prontas para 2016 e várias modificações estão sendo feitas sem real perspectiva de melhoria das condições de vida para a população. Cuiabátem sofrido diversas intervenções estruturais voltadas para a mobilidade. Quando terminadas poderão melhorar sensivelmente a circulação viária na cidade. Dessas três cidades, talvez Cuiabá é a que apresenta um legado mais positivo para a população.
Ressalto que estou falando de obras. Se formos tratar de legado social, nenhuma das cidades apresenta resultado positivo. Em Brasília o legado é nulo, pois não há obras ou intervenções que afetem a vida dos brasilienses; em Manaus, as desapropriações estão previstas ao longo da linha do VLT (veículo leve sobre trilho), sendo que ele tem previsão de término somente em 2016; em Cuiabá, temos também as desapropriações feitas sem comunicação prévia ou orientação da população, sem reunião para avisar se haverá indenização ou não, ou se as famílias serão deslocadas para outras localidades.
Enfim, para estas cidades, se colocarmos na balança para a população, ainda não há um legado positivo. Temos que avaliar o pós-evento, principalmente nos setores econômicos das cidades, para verificar se houve ganho real ou pontual.
IHU On-Line – Como serão e onde serão publicados dos resultados dos estudos do Observatório das Metrópoles?
Rômulo Ribeiro – Serão publicados 12 livros sobre a avaliação dos projetos de frente às tendências de transformação nas cidades diretamente impactadas. Com eles será disponibilizado um banco de dados de fácil acesso e operação. Haverá também diversas publicações voltadas a atores sociais e agentes públicos envolvidos. Além disso, haverá provimento de orientação que venha a ser necessária, de forma a garantir a efetividade na transferência de resultados para os diversos setores da sociedade. Alguns instrumentos, como a utilização de ferramentas wiki/web, serão utilizados para facilitar o acesso público via internet, além de permitir a existência de um sistema único nacional na elaboração de resultados, em que os diferentes núcleos poderão contribuir de maneira rápida, eficiente e conjunta na construção de documentos diversos. Haverá uma versão impressa dos livros e possivelmente outra eletrônica (ebooks) visando facilitar a divulgação dos resultados. Porém, ainda não está definido como será feito.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Rômulo Ribeiro – Considero que os megaeventos são grandes oportunidades de negócio e de exposição de um país, mas para isso precisa-se ter condições para investir nesta área. O que vemos no Brasil é, de um lado, o sucateamento da saúde, educação, segurança, turismo, transporte e, de outro lado, um gasto exorbitante em arenas. Aqui deixo a pergunta, o que precisamos mais: de equipamentos urbanos e cidades inclusivas ou de arenas que serão administradas, em sua maioria, pelo setor privado, sem retorno direto para a sociedade?
Nota: [1] Professor titular do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. Doutor em Arquitetura (Estruturas Ambientais Urbanas) pela USP. Pesquisador I-A do CNPq.