O trabalho bem feito do diretor Jayme Monjardim honra a coragem da militante alemã e mostra o carrasco que foi Getúlio Vargas. Só não mostra as semelhanças entre as políticas varguista e stalinista em relação ao nazismo que assassinou Olga.

O filme de Jayme Monjardim chegou aos cinemas com tudo. As sessões estão lotadas graças a uma divulgação bem feita. A produção é bem cuidada, a ponto de ter sido toda filmada na cidade do Rio de Janeiro, mas reproduzir com perfeição cenários europeus. Os atores estão muito bem. Camila Morgado é convincente e emociona. A cena da separação entre Olga e sua filha Anita no campo de concentração é de cortar o coração dos mais duros marmanjos. Enfim, a produção foi feita para ser mais uma forte concorrente ao Oscar de melhor filme estrangeiro.

Aos que criticam o tom um tanto novelesco e romanceado da produção, é bom lembrar que o filme se propôs a falar da curta e heróica vida da militante comunista alemã. Principalmente, no Brasil, onde viveu uma apaixonada relação com Luis Carlos Prestes. Exigir mais dosagem política ficaria fora do objetivo escolhido.

Além disso, no ano em que se completam os 50 anos do suicídio de Vargas, é sempre educativo mostrar que o “pai dos pobres” era muito mais um político calculista que não hesitava em esmagar seus inimigos se lhes fossem dadas as condições. O filme deixa claro o papel de carrasco que Vargas desempenhou, enviando uma mulher grávida para morte nos campos de concentração de Hitler.

Por outro lado, não poupa Prestes, ao mostrar o caráter completamente aventureiro de sua tentativa de derrubar o governo Getúlio, em 1935. O comandante da famosa Coluna Prestes se mostrara um grande estrategista quando organizou sua marcha de 25 mil quilômetros pelo território brasileiro, de 1924 a 1925. O movimento surgiu da revolta de oficiais do exército inconformados com a corrupção e o monopólio político das elites agrárias dos governos da República Velha. Era o chamado tenentismo, que queria apenas uma moralização da vida política. Mas isso era pedir muito para as oligarquias. A marcha foi uma espécie de fuga heróica da repressão governamental, que se dissolveu na Bolívia sem ter sido derrotada, mas também sem ter sido vitoriosa em seus tímidos objetivos.

Com essa experiência, e tendo tomado contato com o marxismo durante seu exílio na Bolívia, Prestes avaliava quase 10 anos depois da Coluna que seus contatos entre os meios militares seriam suficientes para preparar um levante revolucionário. A insurreição entre os militares se combinaria com uma grande greve geral dos trabalhadores para derrubar Vargas e implantar o comunismo no Brasil. Na verdade, um delírio, pois o tenentismo que Prestes esperava poder ressuscitar nos quartéis já estava absorvido pelo novo bloco de poder após a “Revolução de 30”. A classe operária, por sua vez, estava em pleno processo de gradual controle e desarmamento de suas entidades através da implantação da legislação trabalhista apenas para entidades sindicais que aceitassem o controle do ministério do Trabalho.

Prestes errou muito mais do que acertou
Como o filme mostra, a criação da ANL (Aliança Nacional Libertadora) como fachada legal para o PCB, sem ligação com os movimentos populares, só serviu de pretexto para Getúlio propor e aprovar uma Lei de Segurança Nacional que permitiu o início de feroz repressão contra os comunistas antes mesmo da frustrada tentativa de tomada do poder. Esta só serviu para que Getúlio fechasse o cerco a Prestes e seus camaradas. 

Olga diz no filme que Prestes não merecia aquela derrota. É um juízo que deve ser permitido a quem vive uma paixão, mas Prestes errou muito mais do que acertou em sua vida política. O filme não chega à famosa libertação de Prestes da cadeia, em 1945. Libertado em pleno ambiente de desgaste do governo Vargas, o líder comunista é saudado como herói. No entanto, usa todo esse prestígio para manifestar apoio à continuidade do assassino de sua mulher no poder. Esta atitude é justificada pela orientação do Partido Comunista da União Soviética para que suas seções nacionais mantivessem boas relações com os governos dos países aliados. Não adiantou. Getúlio é deposto. O PCB é legalizado e participa de eleições para a Constituinte de 1946. Mas, em 1947 acaba a lua-de-mel entre os vencedores da guerra e estoura a Guerra Fria. O PCB é colocado novamente na ilegalidade. 

Prestes cometeria um erro parecido ao da tentativa de tomar o poder em 1935, trinta anos depois. Às vésperas do golpe de 1964, ele voltaria a dizer que a combinação entre o “dispositivo militar” e uma greve geral do CGT abortaria qualquer tentativa de golpe. Com os golpistas derrotados, seria só avançar para a implementação das medidas revolucionárias. Não precisamos dizer que o Cavaleiro da Esperança errou feio novamente.

O que a produção não mostra é a semelhança existente entre as atitudes de Vargas e de Stálin em relação ao nazismo. Em um certo momento do filme, Filinto Muller diz que Olga seria um “presente de Getúlio para Hitler”. É verdade. Getúlio tinha enorme simpatia por Hitler e Mussolini. Só entrou na guerra ao lado dos aliados porque os Estados Unidos não queriam perder uma área importante de influência. Por isso, ofereceram os recursos necessários para que Getúlio iniciasse a criação do parque siderúrgico em Volta Redonda, aprofundando seu projeto de industrialização. Mas os presentes para Hitler também eram oferecidos por aqueles que Olga acreditava serem representantes do “justo, do bom e do melhor do mundo”.

Os presentes de Stálin e Vargas para Hitler
Stálin assinou um pacto de não agressão com Hitler em 1939. A justificativa era a de proteger a pátria do socialismo, deixando para potências, como Inglaterra e Estados Unidos, a tarefa de lidar com a política expansionista de Hitler e seus aliados. O problema é que a pátria em construção por Stálin já não tinha nada mais a ver com socialismo. Tal como no Brasil e na Alemanha, o que acontecia na União Soviética era a implantação autoritária e acelerada de relações capitalistas tendo num Estado forte e militarizado sua maior alavanca. No final dos anos 40, a contra-revolução stalinista estava se completando, após coletivizar as terras camponesas à força, condenando milhões a morrer de fome e de matar praticamente toda vanguarda da Revolução de 1917. Alguns dos resultados dessa política contra-revolucionária foram os presentes oferecidos por Stálin a Hitler, mais generosos do que os ofertados por Vargas. Durante a vigência do pacto com Hitler, cerca de 800 comunistas alemães e austríacos, que se refugiaram em território soviético, foram entregues ao ditador alemão (Mike Haynes, “Rússia – Class and Power – 1917 – 2000”). 

Apesar de toda a generosidade da tática stalinista em relação a Hitler, ela não deu certo. Na passagem de ano de 1941, Stálin chegou a brindar em homenagem “ao líder, a quem o povo alemão tanto ama”. Mas, em junho de 1941, Hitler colocou em ação a operação Barba Ruiva, iniciando a invasão do território soviético. O fato é que Stálin sempre subestimou a ameaça n

azista. Nos início dos anos 1930, por exemplo, a orientação do PC soviético para os comunistas alemães era a de fazer alianças com os nazistas para atacar os social-democratas, considerados inimigos mais perigosos que os partidários de Hitler.

Ainda a esse respeito, é emocionante a cena em que Olga está numa reunião na União Soviética e canta o hino da Internacional Socialista, em russo, junto com seus camaradas. Mas, o processo de contra-revolução stalinista já colocava o belo hino fora de contexto. Desde que Stálin inventou a absurda teoria do socialismo num só país, as razões do Estado soviético se colocavam à frente de qualquer luta de trabalhadores em qualquer parte do mundo. O internacionalismo deu lugar à diplomacia tradicional. Por exemplo, outro filme que desperta emoção com o hino da Internacional é “Terra e Liberdade”, de Ken Loach (1995). A produção de Loach mostra a luta de comunistas e republicanos contra os fascistas liderados por Franco, na guerra civil espanhola, entre 1936 e 1939. Não querendo expor a “pátria socialista” a desgastes com as potências ocidentais, Stálin ordenou aos comunistas que evitassem uma saída revolucionária para a guerra. Com isso, o processo de criação de milícias populares armadas e confiscos de propriedades foi interrompido, retirando o apoio popular que poderia ter derrotado as forças franquistas. Quando Olga morreu na câmara de gás, o hino da Internacional já havia sido substituído pelo hino à Grande Mãe Russa, da época dos czares.

É verdade que Olga lutou por uma causa que já havia se transformado em seu contrário. Mas, a crença que depositava no socialismo manteve a chama que carregava cheia do brilho de que fala belo poema de Maiakovski, recitado pela personagem enquanto sofria torturas.
 

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