O professor Venício Lima é uma voz bastante reconhecida quando o assunto é democratização dos meios de comunicação e regulação midiática e o Quintas Resistentes teve o prazer de recebê-lo como entrevistado no dia 12 de maio. Venício é professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) e autor de diversos livros, como “Cultura do Silêncio e Democracia no Brasil: A prática da liberdade para além da alfabetização”, entre outros.

Em sua participação no Quintas Resistentes, o professor conversou sobre concessões públicas de TV e rádio, políticas de comunicação e suas reflexões a partir de Paulo Freire.

A questão das concessões

O que pode escapar à atenção de muitos cidadãos é a informação de que as emissoras que ocupam a grade de TV aberta ocupam um espaço público. Desde a década de 1930, o Brasil optou por regular a radiodifusão nos mesmos moldes aplicados nos Estados Unidos, no qual o Estado compartilha com a iniciativa privada a exploração dos serviços de comunicação. Entretanto, diferente da forma como foi aplicada no país norte-americano, onde uma série de restrições e regulações foram criadas para que os grupos empresariais de comunicação tivessem a concessão, o Brasil não adotou tais medidas.

Um dos exemplos citados pelo professor Venício Lima é o ponto que impede a chamada “propriedade cruzada”. “Nos Estados Unidos nunca foi permitido, e até hoje não é, que o mesmo concessionário, no mesmo mercado, tivesse a concessão de uma emissora de rádio AM/FM, televisão, jornal impresso. Houve sempre uma proteção legal para que não houvesse uma concentração da propriedade”, afirmou.

Outro detalhe para o qual Venício chamou a atenção, diz respeito aos prazos estabelecidos na Constituição para o período de uma concessão. Segundo o professor, os prazos brasileiros “são os maiores estabelecidos no planeta”. “As concessões de TV são por 15 anos e as concessões de rádio são por 10 anos, renováveis de acordo com determinadas regras que estão estabelecidas por lei também. Como os prazos são muito dilatados, os concessionários se transformam, na prática, em proprietários. E não há, salvo uma ou outra exceção, histórico de não renovação ou de cassação de concessões”, disse o professor.

Paulo Freire e a cultura do silêncio

Ao longo de sua produção bibliográfica, o intelectual mais presente nas reflexões de Venício Lima é Paulo Freire. Tanto que já escreveu mais de um livro em diálogo com as ideias do grande educador.

Um conceito freiriano que Venício costuma abordar é a chamada “cultura do silêncio”. Dentro desta cultura, Freire explica que as massas são mudas, isto é, são proibidas de criativamente tomar parte na transformação da sociedade e, portanto, proibidas de ser. Para Venício Lima, ainda que a era digital tenha trazido a promessa de distribuir melhor o acesso à comunicação, tal realidade não se cumpriu. “Hoje você tem uma impossibilidade de representação das vozes da maioria da população brasileira no espaço público, porque o acesso ao espaço público é controlado por poucos grupos, me refiro à mídia tradicional: rádio, televisão, jornais e revistas. Quando você passa para o fenômeno recente da internet, muitas pessoas têm a ilusão de que o acesso à internet é acesso ao espaço público, só que não”, afirmou.   

De acordo com o professor, muita gente pensa Paulo Freire apenas como um grande formulador de um método de alfabetização de adultos. Mas é preciso lembrar que a sua metodologia tinha um grande compromisso com a liberdade humana, no sentido de que o homemtenha consciência do seu papel transformador do mundo. “A cultura do silêncio é exatamente a ambiência do oprimido, a situação da opressão, onde o homem não se reconhece como transformador da natureza. Tanto é que nos processos de alfabetização, a primeira coisa que tinha, antes do processo propriamente dito, eram os círculos de cultura em que se discutia o que Paulo chamava ‘conceito antropológico de cultura’, exatamente para mostrar a cada um dos futuros alfabetizandos que eles eram seres criativos e que poderiam ser senhores do seu próprio destino”, completou Venício.

Democratizar a mídia

A pauta da democratização dos meios de comunicação é uma bandeira histórica dos movimentos de esquerda no Brasil, sendo defendida com mais ardor em alguns momentos e menos em outros. Para Venício, as pautas progressistas atualmente estão mais submersas, mas acredita que o fato de ter sido chamado para falar sobre o tema em questão indica que a discussão está viva: “É um tema inescapável, de uma forma ou de outra isso vai ter que ser enfrentado. Agora mesmo tramita no Congresso Nacional a tentativa de regular esse espaço da internet”.

Apesar de não sabermos aferir o grau de percepção, dentro do campo da esquerda, sobre a importância de pautar a democratização midiática, o que vale para Venício é a existência de grupos dentro da esquerda que sabem o peso desse tema, fazendo com que todo o campo se mova cada vez mais na direção dele.