Dois filmes recentes falam de desemprego entre executivos de grandes empresas. “O Corte” de Costas Gavras é humor negro de qualidade. “As loucuras de Dick e Jane”, com Jim Carrey, é besteirol bem feito. Ambos apontam o crime como solução para o problema.
No filme de Gavras, Bruno Davert (José Garcia) é um executivo da indústria de papéis. De repente, se vê desempregado e amarga dois anos sem arranjar nova ocupação. Sob pressão de um nível de vida elevado, Davert encontra a solução: eliminar a concorrência. Literalmente. Dá um jeito de descobrir quem são seus adversários na disputa por uma posição elevada no ramo e começa a assassiná-los. Em meio a muitas trapalhadas, tentativas e alguns sucessos, acaba conseguindo seu objetivo.
Já o filme de Dean Parisot, com Jim Carrey, vai direto ao escracho. Dick e Jane (Téa Leoni) formam um casal que se vê privado do elevado salário de executivo do marido. Pior que isso, Dick é demitido depois de ter sido usado por seus cruéis superiores. Ele é incumbido de ir à TV tranquilizar os acionistas de sua empresa diante de boatos de falência. Enquanto faz isso, a empresa vem abaixo. Milhares de acionistas, entre os quais os próprios funcionários da empresa, ficam com os prejuízos. Salva-se apenas o presidente (Alec Baldwin) da corporação, que já havia vendido sua parte pouco tempo antes, quando as ações estavam em alta. Qualquer semelhança com as falências da Enron e da World.com não é coincidência. Quanto a Dick, ele não apenas fica sem emprego, como entra para a lista suja dos executivos irresponsáveis. A solução encontrada por ele e sua mulher também é o crime. Mas, não se trata de assassinatos. São apenas roubos, bastante confusos e ridículos.
Os finais dos dois filmes diferem. No de Gavras, fica claro que o mecanismo de destruição do capitalismo continua em ação. Davert recupera o emprego, mas a cena final do filme sugere que ele também já está na alça de mira de uma concorrente desesperada. Já em “Dick e Jane”, a moral hollywoodiana acerta tudo. O presidente pilantra é obrigado a devolver o dinheiro aos acionistas, e ainda passa por bonzinho. Portanto, nada que um sistema funcionando de modo justo não possa resolver.
Não há maiores novidades nas contorções e caretas de Carry. E fazer graça com desemprego jamais esteve muito longe dos planos de Hollywood. Mas, o humor sinistro que Gavras mostra em “O corte” não é muito característico do cineasta grego. No entanto, o que lhe permitiu fazer graça com algo tão grave como o desemprego foi exatamente o fato de suas vítimas serem ricos.
O homem sem o seu trabalho: “não dá pra ser feliz”
Por outro lado, apelar para o assassinato para arranjar uma colocação no mercado de trabalho não é tão estranho assim entre os trabalhadores. Não é que isso ocorra de forma direta. Pode até ser. Em janeiro deste ano, por exemplo, em Cubatão, São Paulo, uma estagiária de 22 anos foi acusada de mandar matar duas colegas de trabalho para ficar com a vaga delas na empresa. Mas este é um caso excepcional. A regra é o desemprego piorar as condições de vida e, muitas vezes, levar suas vítimas a soluções extremas, como o roubo. E este pode levar a assassinatos. Homicídios também podem ser causados por pais de família que se abandonam ao álcool e outras drogas devido à depressão causada pelo ócio. Os bares e botecos das periferias metropolitanas servem de cenário para milhares de assassinatos e agressões todos os finais de semana. Como diria a música de Gonzaguinha, quando o homem fica “sem o seu trabalho”, “não dá pra ser feliz”. Nem seria muito feliz um filme que fizesse graça sobre isso.
Voltando aos ricos desempregados, o que impera é a lógica do “quanto maior a altura, maior o tombo”. Pessoas que vivem de seus salários, por maiores que sejam, podem ver seu mundo requintado desabar para os níveis limitados da maioria dos assalariados. E o baque pode ser grande. Claro que esse tipo de fenômeno varia conforme a época e o lugar.
No Brasil desigual em que vivemos, a diferença entre os salários são enormes. Os presidentes de empresas no Brasil ganham cerca de 2% a mais do que a média mundial. Os trabalhadores, por sua vez, recebem 57% menos do que nos outros países. Os dados são da consultoria Towers Perrin, divulgados em janeiro de 2006.
Além disso, a possibilidade de transformar alta renda em patrimônio aqui são bem maiores. Uma coisa é ganhar 30 mil reais mensais e gastar 15 mil com viagens, escolas particulares, segurança privada, manutenção de casas de veraneio e de praia etc. Outra coisa é ganhar 100 mil reais, gastar aqueles 15 mil e ainda e investir os outros 85 mil em propriedades, ações, títulos públicos e, principalmente, em exploração de mão de obra alheia. No primeiro caso, um desemprego inesperado pode mostrar a um dirigente de empresa que a vida de proletário não está tão distante. No segundo caso, é possível manter um nível de vida graças a um patrimônio bem administrado. Para cada dois ou três executivos falidos que ganhavam R$ 30 mil, um dirigente empresarial com R$ 60 mil de salário fica mais próspero. Daí, a concentração de riqueza no Brasil ser mais grave e persistente do que a concentração de renda, apesar de ambas serem enormes.
Fiéis colaboradores da exploração capitalista
Mas, a famosa globalização capitalista também cobra seu preço fora do Brasil. A revista “Isto é” de 28 de junho, trouxe a reportagem “A economia global vai bem e o povo vai mal”. Escrita por Milton Gamez e Osmar Freitas Jr, a matéria fala sobre o aumento da distância entre ricos e pobres nos países ricos. E também sobre desemprego entre os melhor assalariados. Um dos relatos é sobre o americano Larry Berwind. Formado na Universidade de Stanford, há cerca de um ano ele perdeu seu emprego de programador numa empresa da Califórnia. Ganhava US$ 4.500 mensais, além de planos de saúde e de aposentadoria. Ao procurar nova colocação, descobriu que sua função havia sido exportada para a Índia. Lá, a companhia pagava US$ 250 por mês pelo mesmo trabalho, sem nenhum benefício social. Seis meses atrás, Larry fez nova descoberta. Sua antiga função já não estava mais se concentrando na Índia. Foi para a Xangai, na China, onde o salário pago é ainda menor.
O que a reportagem mostra é que o capitalismo se concentra rapidamente, enquanto se desloca em busca de força de trabalho barata. Ao mesmo tempo, avança sobre cada vez mais assalariados, tirando-lhes seu trabalho e o chão em que pisam. A depender do caso, também a piscina, a casa de praia, viagens para a Europa, os dois carros do ano etc.
Isso não impede que as altas cúpulas das grandes empresas continuem a contar com fiéis colaboradores na diminuição de salários e direitos, piora das condições de trabalho, fechamento de postos de trabalho etc. Executivos desempregados e revoltados existem. Mas, são minoria. A grande maioria acaba controlando as empresas em que trabalham sem ter sua propriedade legal. Esta seria dos milhares de acionistas. Seria! Pois, na hora do prejuízo, quem paga são apenas eles. Pessoas de classe média que apostaram suas economias em poderosas companhias. O lucro? Quando a falência vem, já foi realizado pelos grandes jogadores do mercado em operações cruzadas e bem gerenciadas. Por quem? Por executivos.
Portanto, executivos são assalariados de luxo que, de vez em quando, descobrem <
font size="2">que só têm mesmo suas próprias proles. Mas, no geral, agem como patrões. A classe trabalhadora tem um papel fundamental no processo de transformação social. Mas, não porque seja naturalmente revolucionária, mas por seu lugar estratégico na produção. Em momentos de luta radical, podem paralisar a produção de um ramo industrial ou de serviços de um país inteiro. O lugar dos executivos na produção é ao lado dos patrões. Em momentos agudos, o máximo que fazem é pegar suas coisas e sair pela porta dos fundos. Podem sair por aí dando palestras e cursos sobre gerenciamento da exploração alheia e de lucros fáceis usando o dinheiro de terceiros. Na pior das hipóteses, talvez optem pelo crime, como nos filmes de Gavras e Parisot. Na verdade, continuam no mesmo ofício.
Junho de 2006
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