As primeiras universidades fora da Europa se fizeram na América espanhola. Criada em 1538, a Universidade de São Domingos é historicamente a primeira universidade das Américas. Depois vieram as de San Marcos, no Peru (1551), México (1553), Bogotá (1662), Cuzco (1692), Havana (1728) e Santiago (1738). As primeiras universidades norte-americanas, Harvard, Yale e Filadélfia, surgiram respectivamente em 1636, 1701 e 1755.

Quanto ao Brasil, embora já contasse com escolas superiores isoladas desde 1808, somente no século 20 passou a ter universidades congruentes, integradoras e capazes de traduzir a ¨unidade na universalidade¨.

Por que o país teria tardado tanto em entrar na maturidade universitária? Na verdade poderia ter sido diferente, já que alguns dos primeiros jesuítas que aqui aportaram no século 16 eram bacharéis da Universidade de Coimbra. Um deles, Marçal Beliarte, chegou a fazer uma proposta direta ao rei de Portugal: por que não uma escola de ensino superior “para bem servir aos propósitos da colonização”? A idéia foi considerada absurda (uma universidade no meio do mato?) e o Brasil, como se recebesse um sortilégio, levaria quase quatro três séculos para ter sua primeira escola de ensino superior. Seria uma das últimas nações das Américas a contar com uma universidade. Tanto que, quando surgiu a Universidade do Rio de Janeiro, em 1920, já havia 78 universidades espalhadas pelos Estados Unidos e 20 por toda a América Latina.

Durante o período colonial houve mais de uma tentativa de criar-se uma universidade no país. A mais notável ocorreu no contexto da Inconfidência Mineira. Contam os “autos da Devassa” que o plano de mudar-se a capital do Rio de Janeiro para Vila Rica (hoje São João Del Rei) incluía a implantação na cidade de uma escola de ensino superior nos moldes da de Coimbra. Os inconfidentes sabiam que a independência verdadeira só viria com a educação e com a formação de quadros intelectuais e profissionais. Infelizmente, também esse projeto teve de ser arquivado, pois a rebelião foi delatada e seus autores mortos ou banidos.

O problema universitário voltou à baila com a mudança da Corte portuguesa para o Brasil em 1808, para escapar ao avanço das tropas de Napoleão. Chegou-se a reservar uma verba de 80 contos de réis para a criação de uma universidade em Salvador. O projeto não foi adiante mas resultou, em compensação, na instalação da Faculdade de Medicina da Bahia e da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Antes dessas, porém, pelo esforço pessoal do governador da Capitania de São Paulo, Antônio José de França e Horta, já existia na capital paulista, desde 1803, um curso com ênfase específica na cirurgia. Este teria sido o primeiro curso de ensino médico do país e também o seu primeiro curso superior.

Nas décadas seguintes, até o fim do século 19, a idéia da implantação de uma universidade voltou a ser debatida no Parlamento em pelo menos oito ocasiões. Terminava sempre engavetada graças às contendas pelo direito de primazia entre os principais centros econômicos e políticos. O Rio de Janeiro alegava que uma instituição dessa importância só podia estar sediada na Corte. A Bahia invocava sua precedência histórica. Olinda apresentava razões de ordem geográfica. E São Paulo acenava com a “salubridade e amenidade de seu clima, sua feliz posição, a abundância e barateza de todas as provisões”. Os argumentos eram muitos e os debates acalorados, mas, na prática, neutralizavam-se uns aos outros.

Até 1822, o ano da Independência, o país contava com aproximadamente 3.000 bacharéis formados na França, Inglaterra e Portugal, a maioria na Universidade de Coimbra, fundada em 1308. Nessa instituição portuguesa estudaram, por exemplo, José Bonifácio de Andrada e Silva — o Patriarca da Independência —, José Carlos Lisboa, responsável pela abertura dos portos brasileiros, e José Correia Picanço, fundador da Faculdade de Medicina de Salvador. Deve-se a bacharéis diplomados na Europa a disseminação de escolas superiores isoladas, no final do século passado e no início deste, em Porto Alegre (1897), Belo Horizonte (1911) e Curitiba (1913), entre outras cidades.

Após a proclamação da República, a questão voltou a ser obrigatoriamente colocada. Segundo alguns historiadores, os positivistas da revolução de 1889 receavam duas coisas: de um lado, a proliferação dos ideais liberais da Revolução Francesa e, de outro, a disseminação do ensino católico. Nessa toada, o projeto da primeira universidade demoraria ainda duas décadas para se esboçar.

Com a implantação da Universidade do Rio de Janeiro — mais tarde Universidade do Brasil — em 1920, a partir da reunião de algumas escolas superiores já existentes na então Capital Federal, os governos provinciais passaram a flertar com a idéia de ter suas próprias instituições. Em 1927 organizou-se a Universidade de Minas Gerais, em Belo Horizonte, com um projeto que já reivindicava “autonomia econômica, didática, administrativa e disciplinar” — discurso novíssimo para a época.

O ano de 1934 seria central nesta história com a criação da Universidade de São Paulo (USP) no contexto de um projeto fortemente vinculado aos interesses do Estado para a formação de profissionais destinados ao ensino, à indústria e à administração pública. Nas três décadas seguintes, o sistema se expandiria e se capilarizaria por todo o país, sobretudo graças ao investimento federal, mas a demanda por vagas nas universidades públicas continuava reprimida — como continuaria até o fim do século XX, com o aumento da população e do volume de concluintes do ensino médio — e ainda eram poucos os que podiam aspirar a fazer um curso superior.


Do livro inédito Os Mandarins – História da Infância da Unicamp