Por Tatiana Lima
Milton Pinheiro, organizador do livro “Ditadura: o que resta da transição” foi um dos palestrantes da mesa “Comunicação, Trabalhadores e Hegemonia”, realizada nesta quarta, 5/11, primeiro dia do 20º Curso Anual do NPC. Ele acredita que a atual conjuntura política é reflexo de um estado de ditadura que ainda segue em transição. Esse é um dos fundamentos do livro organizado pelo cientista político que possui ensaios inéditos de pensadores como João Quartim de Moraes, Anita Prestes, Lincoln Secco, Décio Saes, Marco Aurélio Santana, entre outros. A coletânea enfrenta o desafio de reinterpretar uma história em que vários aspectos estão ainda por decifrar, desde o contexto por trás do golpe de 1964 até a campanha pelas Diretas Já. Confira a entrevista com o autor e palestrante do 20º Curso Anual do NPC.
O que resta da ditadura no Estado democrático brasileiro?
O princípio da transição brasileira terminou preservando muitos aspectos do autoritarismo que perpassam o período ditatorial. Principalmente aquilo que não conseguiu ser resolvido, como a Lei da Anistia e a falta de capacidade de transformar a polícia brasileira. Existe a percepção de que o Brasil sempre vive uma representação do Estado que consegue ter uma polícia muito repressora nas comunidades e com aqueles que lutam. Então, podemos afirmar que o aparato do Estado policial continuou operando no sentido de evitar a participação popular e seguir com formas de violência.
Como fazer a transição da ditadura para um Estado democrático pleno?
O Brasil tem uma característica muito importante: ao contrário de outros países da América Latina que tiveram essa transição, o nosso país não contou com a presença das massas e trabalhadores do país como operadores políticos da transição. Claro que eles tiveram papel importante no sentido de pressionar que a ditadura acabasse, por meio das manifestações de trabalhadores a partir de 1978, com as greves do ABC e as forças democráticas que congregavam os setores mais radicais que atuavam na transição democrática, mas tudo isso não impediu que as elites e a burguesia brasileira conseguissem fazer um pacto por cima que estabelecesse um Estado que ainda representa os interesses dessas oligarquias, em particular, do aparato do capital financeiro dos industriais. Portanto, a transição é feita de uma forma que impede a democracia plena. É uma transição que, de certa maneira, ainda impede a representação dessa democracia plena e que ainda, de certo modo, pactua o governo de 1985 até os dias de hoje. Isso tem a ver com a incapacidade atual do governo de representar os interesses dos trabalhadores.
Quais são os pontos principais que o livro aborda que podem ajudar a compreender a passeata realizada dias atrás em São Paulo, em que cerca de duas mil pessoas pediam uma nova intervenção militar?
O livro é um fruto de uma pesquisa feita na área de ciência política, pois sou professor de universidade. A busca é sobre quais foram os agentes que participaram desse processo. Temos um debate sobre os trabalhadores e camponeses no processo e sobre a política econômica da ditadura a política que venceu quando acabou a ditadura em 1985. O essencial é que a gente pode dizer que a transição pactuada não conseguiu romper entre a ditadura e o provável Estado Democrático de Direito. Tanto isso é verdade que os aparatos repressivos do Estado estão em ação. As pessoas são penalizadas quando participam de manifestação. Temos o episódio do Amarildo no Rio de Janeiro e o da Claudia da Silva. Quando o Estado a partir do seu aparato repressivo, principalmente a polícia, agiu como terrorista sobre trabalhadores e uma dona de casa. É um conjunto de pessoas que são atacadas porque lutam. Pessoas que continuam sendo reprimidas por aparatos, por decretos e repressões das mais ferozes. Isso nos leva, evidentemente, a um caldo de cultura reacionária, xenófoba, atrasada que, é preciso dizer, ainda é pequeno no sentido de representar uma cultura de massa, mas que se manifesta em praça pública e apagando as liberdades democráticas e aqueles que lutam. Além de solicitar coisas completamente complicadas, como o retorno da ditadura militar, com aceno por repressão da PM, apoio contra a democracia e a setores extremamente reacionários da política brasileira. O bom de tudo isso, é que esse conjunto é pequeno e pode ser derrotado pelo movimento popular, operário e por aqueles que lutam por uma democracia plena.