Por Sheila Jacob – NPC
Os jornalistas Gustavo Gindre e Arthur William abordaram o tema da internet sem ilusões nem otimismo. Apesar de oferecerem avanços e possibilidades de interação e acesso à informação, eles reconheceram que os riscos são muitos, já que a rede está na mão das grandes empresas transnacionais de comunicação. Ameaças à privacidade, ilusão de que não há mediação e dificuldades de regulação foram alguns dos temas abordados pelos palestrantes.
O jornalista Gustavo Gindre afirmou que a internet representa uma revolução na comunicação como foi a de Gutenberg, considerado o pai da imprensa. O Brasil enfrenta muitos desafios quanto ao setor, já que não conseguiu lidar com agendas antigas, como a regulação do audiovisual, uma pauta do século XX. “Por exemplo, sabemos da importância da classificação etária na programação das TVs. Como fazer na internet, quando tudo pode ser acessado o tempo inteiro? Como fazer cota para produção independente? O que não conseguimos fazer com a regulação da radiodifusão, mal conseguimos fazer com a internet. Estamos lidando com novos debates”.
Outro aspecto destacado por ele é o fato de a internet vender a ilusão de que é uma mídia sem mediação, quando, na verdade, há uma série de mecanismos de mediação que não estão transparentes. Ele citou, como alguns deles, os algoritmos de busca no Google (“quem decide o que aparece em primeiro e em último lugar?”) e os compartilhamentos no Facebook, que dão mais visibilidade àquilo que tem mais capacidade de prender o usuário na rede. “Na internet, quem define é quem escreve os protocolos”, observou. A neutralidade de rede, prevista pelo marco civil da internet do Brasil, é um mecanismo de se evitar que certos conteúdos sejam privilegiados enquanto outros sofrem mais empecilhos para trafegar. “Se não respeitar essa cláusula, certos conteúdos vão circular com mais facilidade que outros. Haverá dificuldades para vender facilidade, o que só prejudica o internauta”, afirmou.
Riscos à privacidade
A privacidade do usuário também foi levantada como algo a se levar em conta. “Quando estamos na rede, produzimos informação para alguém coletar e vender mercadorias. O nível de apropriação dos nossos gostos é gigantesco”. Ele deu como exemplo o caso de duas mulheres norte-americanas, com mesmo perfil estatístico, que pagaram valores diferentes ao fazerem um seguro de vida. Fundamental para isso foi a recolha de dados, nas redes sociais, sobre os hábitos de vida, alimentação e outros aspectos que influem na saúde de ambas. “Na hora de vender seu produto, a empresa fez uma ampla pesquisa e chegou a um conjunto enorme de informações que disponibilizamos de maneira gratuita nas redes”, observou.
Depois desse quadro, Gindre apontou alguns caminhos necessários. O principal deles é, segundo o palestrante, fortalecer os mecanismos internacionais de governança da rede, já que estamos lidando com grandes e poderosos grupos. “Eu comecei minha fala dizendo que o lucro líquido anual dos grupos de comunicação tradicionais não chega a 20% do da Globo. Esse montante, por sua vez, significa apenas 15 dias do lucro da Google”, ilustrou. Para finalizar, ele ressaltou que, apesar das muitas possibilidades de democracia e acesso à informação, estamos diante de novos desafios graças à atuação de grandes grupos transnacionais, por isso a necessidade de regular para além do território brasileiro. “É com esses gigantes que vamos lidar cada vez mais”, concluiu.
Inteligência artificial
Em sua intervenção, o jornalista Arthur William destacou o aspecto da inteligência artificial. “O Google sabe onde eu moro e acompanha o que faço em boa parte do dia. Sabe os locais por que passo, tem todas essas informações e gera conteúdo para a gente. Hoje em dia existem mecanismos que pensam por nós, como o Easy [aplicativo que dá orientações de como transitar pela cidade]”. Segundo ele, essas informações coletadas a respeito de nosso cotidiano têm impactado inclusive na educação: grupos têm desenvolvido o chamado “ensino adaptativo”, baseado nos gostos e nas escolhas dos indivíduos. “Caso esse tipo de ensino se torne hegemônico, em breve palavras como ‘diversidade’, ‘contraditório’ e ‘inesperado’ poderão ser coisas do passado”, postou Gindre em sua rede social inspirado pela fala de Arthur.
Arthur William também chamou a atenção dos presentes quanto ao uso que fazemos do Facebook. “O Mark Zuckerberg quer que a internet seja o Facebook. Não precisamos mais de blog, pois criaram a Fan Page. Lá se publicam fotos, vídeos e possibilita que se façam até transmissões ao vivo, tudo muito prático”. Mas, como ele explicou, o Facebook é um “jardim murado”: as postagens ficam restritas a essa rede social, não são detectadas em mecanismos de busca e se perdem com o tempo. “Temos que tomar cuidado, pois nossa interação na internet está se resumindo a essa rede social. Há, ainda, um impacto negativo na memória social dos trabalhadores e de suas entidades: aquelas informações podem se perder a qualquer momento”. Por isso, deu uma sugestão aos sindicatos presentes: além de investirem nas suas páginas, blogs e até na troca de mensagens por SMS, devem desenvolver aplicativos de suas entidades, já que, hoje em dia, a maioria das pessoas acessa a internet via celular.
Para não ficar apenas nos exemplos negativos, William sugeriu, como saída, o uso de software livre e a criação de sites e aplicativos por parte de cada entidade. Regulamentar o marco civil, assim como disse Gindre, também é um caminho importante. Eles identificam ainda a necessidade de se educar o indivíduo e os movimentos sociais sobre os riscos de exposição na rede. “Um dos elementos que contribuíram para a derrota da Hilary Clinton foi o fato de ela ter usado o e-mail individual na troca de mensagens sobre o governo. Os norte-americanos sabem muito bem do impacto da guerra de informações”, lembrou Gindre. Por fim, para quem quiser saber mais sobre o assunto, ele indicou o filme Freenet, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=TSomRix04fQ&oref=https%3A%2F%2Fwww.youtube.com%2Fwatch%3Fv%3DTSomRix04fQ&has_verified=1