Para Tarso genro, o Siryza é uma força política de esquerda que retoma propostas que podem ser inscritas na agenda original da social democracia europeia.
Por Marco Weissheimer
“A vitória do Syriza na Grécia não representa a vitória de uma extrema-esquerda que defende a ruptura com a União Europeia, como vem repetindo um setor dominante da mídia, na Europa e no Brasil, mas sim a vitória de uma força política de esquerda que retoma propostas que podem ser inscritas na agenda original da social democracia europeia. Como essa social democracia foi toda para o centro, o Syriza é apresentado como radical”. A avaliação é do ex-governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, que está em Sevilha (Espanha), onde participou como painelista de um seminário sobre a recuperação da memória nas ditaduras.
Tarso Genro aponta uma série de simplificações e deformações que vêm sendo reproduzidas na imprensa a propósito do significado do resultado das eleições na Grécia. “O Syriza não quer que a Grécia saia da União Europeia e da zona do euro. O que está propondo é a reestruturação do pagamento da dívida para dar uma folga ao tesouro grego e possibilitar a retomada dos investimentos em infraestrutura no país. Não está propondo o calote da dívida, mas sim uma renegociação”. A proposta defendida pelo novo primeiro ministro grego, Alexis Tsipras, acrescenta Tarso, não representa tampouco uma ruptura com o estado democrático de direito, mas sim um projeto de reconstrução do Estado, de reincorporação de servidores públicos demitidos e de recuperação de serviços desmantelados.
A proposta do Syriza em relação à dívida, diz Tarso, é muito parecida com a que defendemos no Rio Grande do Sul, em cima de três pontos: desvalorização da dívida, aumento dos investimentos e novos financiamentos para modernizar a economia do Estado.
A Grécia tem hoje a situação econômica mais dramática da Europa, com uma dívida que equivale a 170% de seu Produto Interno Bruto (PIB). A dívida do Rio Grande do Sul, compara Tarso Genro, representa hoje 20% do PIB gaúcho. Vários países intermediários da Europa, assinala ainda o ex-governador do RS, já estão fazendo propostas similares às do Syriza, querendo a renegociação da dívida para retomar o caminho do crescimento. E não só países intermediários. François Hollande, primeiro ministro da França, já manifestou simpatia pelas ideias de Tsipras e o convidou para conversar.
Do ponto de vista político, avalia Tarso Genro, a proposta mais importante que está sendo levantada por Alexis Tsipras é o pedido de uma indenização, junto a Alemanha, pelos crimes de guerra cometidos pelos nazistas contra o povo grego durante a Segunda Guerra Mundial. Logo após assumir o cargo de primeiro-ministro, Tsipras deixou uma coroa de flores em um monumento às vítimas dos nazistas em Atenas, um gesto inédito entre os chefes de Estado gregos. Em 1º de maio de 1944, cinco meses antes de deixarem Atenas, os nazistas fuzilaram 200 comunistas no local onde está o monumento, na periferia de Atenas, um dos piores massacres do período da ocupação alemã na Grécia.
Um grupo de trabalho do governo grego já estimou que o montante desta reparação seria de cerca de 162 bilhões de euros (cerca de 221 bilhões de dólares). O governo alemão, por sua vez, sustenta que a questão das indenizações de guerra já foi resolvida durante os acordos da Conferência de Paris, em novembro de 1945.
Tarso também contesta a afirmação que vem sendo reproduzida pela imprensa em vários países dando conta que o Syriza teria feito acordo com um partido de direita para formar o governo. A aliança, na verdade, observa, foi feita com um partido nacionalista, moderado, de centro direita, em cima de dois pontos: apoio à renegociação da dívida com a União Europeia e apoio à proposta de compensação financeira, pela Alemanha, em função dos crimes cometidos na Segunda Guerra Mundial.
A vitória do Syriza na Grécia, assinala ainda Tarso Genro, abre as portas para importantes inflexões políticas na Europa o que pode levar a mudanças no funcionamento da União Europeia. O Financial Times, lembrou, questionou se Tsipras será um Lula ou um Hugo Chávez. “Essa disjuntiva colocada pelo Financial Times mostra que é falsa a afirmação de que tivemos uma vitória da extrema esquerda na Grécia. O que é o Syryza quer não é uma ruptura com a Europa, mas sim a reconstrução do Estado grego e um novo patamar de funcionamento para a União Europeia”.
O resultado da eleição na Grécia, aponta o ex-chefe do Executivo gaúcho, já tem repercussões na Espanha. “Na região da Andaluzia, onde haverá eleições regionais e março, o Partido Socialista rompeu o governo de unidade que tinha com a Esquerda Unida para fazer um movimento na direção de um acordo com o Podemos. O Partido Socialista e o Partido Popular, os dois partidos mais tradicionais da Espanha, vem se esforçando em dizer que o caso espanhol é diferente do grego. A divergência das duas siglas em relação à União Europeia é de grau, mas o resultado da eleição grega favorece a ala mais à esquerda do Partido Socialista que defende mudanças mais profundas na relação da Espanha com a UE. Pode surgir daí um novo sistema de alianças na Europa, em defesa de outros padrões de integração”.
Em Sevilha, Tarso Genro conversou com o professor Juan Torres Lopez, um dos responsáveis pela redação do programa de governo do Podemos. A partir dessa conversa, ele relata: “Quando ele terminou de redigir a parte econômica do programa, Pablo Iglesias, uma das principais lideranças do Podemos, sugeriu mudanças no texto para que ele não configurasse uma proposta de ruptura com a União Europeia. Tsipras e Iglesias têm admiração pelas políticas de combate à pobreza e à desigualdade social feitas no Brasil a partir dos governos do presidente Lula. E essas agendas estão na ordem do dia hoje em países como Grécia e Espanha”.