Por Raquel Júnia
“Hoje é a mercantilização de tudo. Se você está na beira de um rio vendo o pôr-do-sol com seu namorado ou namorada rapidinho um burguês olha aquilo e diz: isso pode virar um Resort. Tudo vira mercadoria, inclusive a vida”, disse Gilmar Mauro, da Coodernação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) para estudantes da Universidade Federal Fluminense (UFF). Gilmar Mauro participou juntamente com o professor da UFF e colaborador do NPC Marcelo Badaró da mesa Lutas Sociais no Brasil, atividade organizada pelo Diretório Central dos Estudantes da Universidade no dia 19 de março. Na ocasião, ele informou sobre a inauguração de uma escola de formação política da Via Campesina em Moçambique.
Depois da atividade, Gilmar Mauro nos concedeu uma rápida entrevista.
Boletim NPC – Por que o MST considera importante participar de atividades dentro da Universidade?
Gilmar Mauro – Como falou o professor Marcelo Badaró, a Universidade também é um espaço de luta de classes. O diálogo com a universidade tem o viés de encontrar com pessoas que tem as mesmas posições e aproximar as que já estão no próprio campo da esquerda. É importante trazermos para cá, como contribuição, a realidade objetiva enfrentada fora da universidade, isso faz parte da luta ideológica, como forma de fortalecê-la.
Boletim NPC – A mídia comercial sempre mostra o MST de uma forma muito ruim, criminalizando-o e fazendo o mesmo com outros movimentos sociais. Como o MST lida com a questão?
Gilmar Mauro – Eles [a mídia comercial]estão no papel deles. Seria ilusão imaginar que fariam diferente. Eles vão tratar sempre a luta de classes de forma parcial. Eu admiraria muito o Estadão, por exemplo, elogiando o MST. Aí o MST teria se adaptado e estaria equivocado. A grande mídia reproduz a ideologia do capital e se vê um processo cada vez maior de criminalização da pobreza, dos movimentos sociais, com proliferação de idéias fascistas. Não é um fascismo articulado, mas extremamente preconceituoso com a classe pobre. Temos que construir alternativas, meios alternativos de comunicação e principalmente dialogar com o povo na base, porque isso faz muita diferença. No caso da Venezuela [golpe de 2002], a população se levantou contra a mídia. A organização popular e a comunicação alternativa derrotaram a classe dominante.
Boletim NPC – Ao contrário da visão propagada pela mídia comercial, existe uma imagem construída do MST não apenas no Brasil mas em toda América Latina como um dos movimentos mais importantes do Brasil. A que você atribui essa contradição de avaliações sobre o MST?
Gilmar Mauro – Com certeza não é a propaganda da mídia que contribuiu para essa imagem do MST. Se dependesse deles seríamos anulados ainda nos primórdios do movimento. Para o MST sempre foi fundamental a idéia de que é preciso romper as fronteiras do Brasil e se estender para a América Latina. Foi nesse sentido que criamos a CLOC [Coordinadora Latino-Americana de Organizaciones del Campo] e a Via Campesina. Também sempre procuramos ter um processo de formação política-ideológica para além da luta corporativa, isso aliado à capacidade de desenvolvimento do processo de organização de base. Porque poderíamos ter o melhor programa [político] do mundo, se não tivéssemos força social de nada adiantaria ter esse programa. Então, assim somos parte importante dessa construção histórica da classe trabalhadora. O MST sempre priorizou a construção internacional, dedicamos quadros para isso. Mas não quadros prontos, e sim quadros em formação. Para ser ter uma idéia, um militante nosso só pode fazer duas viagens internacionais por ano. Às vezes é um menino novo, passa muitas dificuldades no aeroporto, não sabe falar inglês, mas isso é importante para o processo formativo dele. Dessa maneira quebramos a lógica de burocracias que se criaram no passado dento da esquerda. É um processo muito mais consistente e com lastro interno, o militante vai e volta e vai trazer a experiência dele para dentro do movimento.
Boletim NPC – O MST tem expressado já há algum tempo a necessidade da união entre os movimentos do campo e da cidade. Está união está avançando?
Gilmar Mauro – Avançamos muito. Sempre achamos que essa aliança é fundamental se quisermos mudar o país. Costumamos dizer que buscamos esse casamento e até colocamos nossa roupa de domingo para o casamento, mas quando chegamos à cidade, na Marcha à Brasília, o movimento operário estava em descenso, menos articulado que o nosso. Aí percebemos que temos que fazer também outros tipos de alianças, com os desempregados, com os movimentos sociais urbanos, nos colocar a disposição para organizar essa aliança. Não como um movimento que sabe tudo, mas com uma disposição para discutir e aprofundar. Não adianta o MST chegar todo organizadinho se a classe trabalhadora urbana não estiver organizada. Assim nós não vamos avançar. O MST não quer estar à frente, nem atrás, mas ao lado, trabalhando junto com a cidade. É um grande desafio. Precisamos avançar nisso. Mas tudo é um processo.