Tiraju Pablo durante apresentação no 21º Curso do NPC. Foto de Pablo Vergara

Tiraju Pablo durante apresentação no 21º Curso do NPC. Foto de Pablo Vergara

Filho de militantes, Tiaraju Pablo aprendeu, desde cedo, a lutar pelos direitos sociais. E logo descobriu na arte uma ferramenta para expressão de ideias e criação de soluções políticas. Hoje ele coordena a Unidos da Lona Preta, escola de samba do MST, e a batucada Carlos Marighela, do Levante Popular da Juventude. E, paralelamente, divulga seu CD Latinoamerisamba, lançado em 2015, com canções de luta em português e castelhano.

O que te levou às lutas sociais e quantos anos você tinha na época?

Sou de uma família de militantes. O meu pai é argentino e veio exilado para o Brasil. Chegou na cidade de São Paulo em 1977. E minha mãe sempre foi uma lutadora das periferias de São Paulo. Era do movimento contra a carestia, depois entrou na teologia da libertação, na época em que a igreja católica tinha bastante importância na organização da população pobre, principalmente nos bairros populares.

Cresci naquilo que foi o fervilhar das periferias de São Paulo, na década de 80, com muito trabalho de base, muito protesto por melhorias de infraestrutura urbana nos bairros populares, lutas pela vinda de creches, por moradia, equipamentos públicos. Meus pais se separaram quando eu tinha dois anos, mas os dois sempre tiveram uma perspectiva muito crítica em relação à sociedade. E eu cresci com esse germe de pensamento crítico em relação ao mundo e à vida.

Quando fiz 18 anos, comecei a ter uma militância no movimento estudantil. E a partir de 2008, no coletivo de cultura do Movimento dos Sem Terra. Foi quando comecei a organizar minha indignação. Hoje participo também do Levante Popular da Juventude. Essas são as duas organizações sociais em que eu milito. Mas, fora isso, também participo do movimento cultural das periferias, onde a gente faz um monte de batalhas.

Gostaria que você comentasse o uso da arte como ferramenta política.

Acho que a arte contribui na forma como as pessoas pensam o mundo. A arte é essencial na batalha ideológica e política. As músicas, a poesia, o teatro, o cinema, ajudam a formar seres humanos e contribuem para a reflexão sobre a sociedade em que estão inseridos. Não é a toa que os nossos inimigos utilizam a arte muito bem, né? Os filmes de Hollywood e as novelas criam formas de pensar. Só que a gente não tem os meios adequados pra conseguir bater de frente. Eles têm o dinheiro, os meios de comunicação, as grandes emissoras de televisão. A gente tem um trabalho de formiguinha, de acordo com as nossas possibilidades.

A arte ajuda a política porque ela dá possibilidade de criação. Às vezes a forma como a gente pensa a política é muito engessada. Temos muitos vícios, muitas formas de fazer que, se não for desse jeito, está errado… E tem que ser desse jeito, tem que ser com essa forma, com essa receita… Só que, às vezes, as fórmulas e receitas não cabem nos momentos históricos e conflitos que a gente vive. Então, a gente precisa de soluções. E a arte nos ajuda a pensar soluções criativas. É bom que a cabeça se oxigene com a criatividade que a arte possibilita.

De que forma você usa a arte pra fazer política?

Tenho 35 anos e comecei a cantar aos 13. Então, são 22 anos cantando. Sou cria de escola de samba. Procurei muitas escolas na cidade de São Paulo. Depois, comecei a ser um pouco mais crítico em relação à forma como as escolas estavam organizando o carnaval. Mas, acho que a gente não tem que descartar o fenômeno da escola de samba.

Existe um certo discurso que propala que a escola de samba não presta, não tem mais nada a dizer… Eu acho que não. A escola de samba é um local contraditório, é um local em disputa, que revela muita coisa sobre a nossa sociedade. Tem comunidades atuantes. Tem uma referência negra muito forte, ao mesmo tempo em que é um local financiado, industrializado, com hierarquias muito bem definidas. Por outro lado, você também tem uma série de vivências igualitárias. A escola de samba é um lugar muito mais múltiplo do que qualquer caracterização possa definir. Mas, num certo momento, me afastei um pouco das grandes escolas de samba.

Em 2008, fui convidado a assumir a coordenação da escola de samba do Movimento dos Sem Terra, a Unidos da Lona Preta, onde a gente pensa o carnaval popular com sambas enredos críticos, pensando as lutas do povo brasileiro, com formas coletivas de compor. A gente pensa o ensaio da batucada de uma maneira mais próxima à educação popular, mais humanizada, em que a perfeição é importante, mas você não pode ter uma repressão contra o ritmista.

Em 2013, fui convidado a assumir outra batucada, a batucada popular Carlos Marighela, do Levante Popular da Juventude, em São Paulo, pensando um carnaval crítico, politizado… Tem muito a ver com essa tomada das ruas que começou a acontecer no Brasil, sobretudo a partir de junho de 2013, quando as batucadas começaram a ter uma importância maior. A gente tem toda uma formulação teórica do porquê a gente pensa as batucadas populares para além de ir só batucar.

Como é isso?

As batucadas populares não são simples batuque na rua. A formulação tem a ver com o socialismo que a gente propõe, que tem a ver com a africanidade brasileira, com os nossos ancestrais e as formas próprias de organizações das classes populares. E em paralelo a essa militância com as batucadas, tenho o meu trabalho como sambista.

Em 2015, gravei meu segundo CD, o Latinoamerisamba, em que uno essa vertente zona leste periférica de São Paulo com as canções latinas que aprendi com meu pai. Não quis fazer um CD só de música em castelhano cantando a luta, e nem um CD só de samba. Fiz um CD que mistura os dois. Aí virou o Latinoamerisamba.

Você falou sobre junho de 2013… Na sua opinião, de lá para cá, houve um aumento ou uma redução do interesse da juventude pela política?

Eu acho que a juventude se interessa mais pela política e menos pelos partidos políticos. As vezes a gente confunde as coisas. As pessoas estão discutindo mais política, só que elas estão mais conservadoras. Eu sou um otimista, sempre! Antes de junho de 2013, tinha uma série de análises que diziam que o povo brasileiro tinha compactuado com uma forma de conciliação de classes, que tava tudo morto, que nada ia acontecer. E lembro que eu era um dos poucos que falava: olha, a história nos surpreende, a gente nunca sabe o que vai acontecer…

Aí teve junho de 2013, que começou com um grupo de esquerda e depois capitaneado pela direita. É bem complexo explicar 2013. E de 2013 a 2015, venho escutando por aí que todo mundo ficou conservador, a periferia está conservadora, os jovens estão conservadores. E eu com o mesmo discurso: olha, não é bem assim, a história apresenta novidades, as pessoas estão pensando, elas não estão mortas dentro de casa vendo a banda ou a história passar.

De repente, você tem uma molecada de 12, 16 anos ocupando escola em São Paulo com um discurso super politizado. E você pergunta: ué, onde foi que essa turma aprendeu? Eles fazem ocupação direitinho! Fiquei quatro dias numa escola e vi que é tudo igual a ocupação do MST, MTST… Tem a segurança, as assembleias, o rigor com relação a quem entra e quem sai, não pode isso, não pode gritaria, faz a comida… A turma praticando a autogestão. E aí a gente fala: tá vendo como essa garotada sabe das coisas e aprende? É que, sobretudo, a juventude não faz do jeito que a gente aprendeu no manual. Então, geralmente, uma esquerda mais tradicional descarta. Ah, se não está no manual, não presta. Não vai vir do jeito que está na receita ou no manual. Vai vir de outro jeito!

De que forma a mídia incentiva ou não a participação dos jovens na política?

A grande mídia é extremamente manipuladora, oculta mostrando, só mostra o que quer, dá ênfase ao que quer, deslegitima movimentos, criminaliza movimentos… Se ela quer minimizar um assunto importante, minimiza. Se quer criar um grande fato de um assunto que não é importante, assim o faz de acordo com seus interesses.

Hoje, com a internet, em geral as pessoas tem mais possibilidades de fugir da grande mídia. Só que, muitas vezes, elas estão repetindo o que a imprensa fala. Mas, hoje há mais meios de se expressar. Antes o mundo era os grandes meios de comunicação e as gravadoras. Agora você grava um CD sem gravadora, vai no Facebook ou no Twitter e fala o que pensa. Mas, de onde está vindo essa formação?

Às vezes, fico assustado com os memes que rodam por aí. Tem uma coisa muito despolitizada na nossa sociedade, as pessoas descaracterizam coisas que são sérias. E a gente não tem uma capacidade de problematizar quando as pessoas começam a tirar sarro de coisas que são sérias. Isso do ponto de vista de uma pessoa de esquerda.

Tem alguns grupos de WhatsApp que participo só pra ter uma análise sociológica, porque é só besteira que vem. É só bobagem do ponto de vista político. A gente precisa ter formas de combater isso. Enquanto esquerda, a gente não tem. Estamos lidando no tempo histórico com fatos novos. Eu não sou da área da comunicação, mas percebo que o Facebook e o WhatsApp, por exemplo, são fenômenos dos últimos cinco anos e são definitivos na forma como as pessoas pensam. Tenho dúvida se a gente sabe trabalhar com essas ferramentas da maneira que deveria saber e se estamos ou não perdendo este terreno.