O Congresso americano está prestes a realizar uma votação histórica sobre o futuro da internet.  Decidirá se a internet vai permanecer uma tecnologia livre e aberta que fomenta a inovação, o crescimento econômico e a comunicação democrática ou se será transformada em propriedade de empresas a cabo e companhias telefônicas, que poderão colocar cabines de pedágio em todos os acessos e saídas da auto-estrada da informação.

No centro deste debate está a mais importante política pública da qual provavelmente você nunca ouviu falar – a “neutralidade na rede”.

Neutralidade na rede significa simplesmente que todo o conteúdo na Internet deve ser tratado da mesma forma e movimentado pela rede à mesma velocidade.  Os proprietários da fiação da internet não podem fazer discriminação.  Este é o projeto simples, mas brilhante, “de ponta a ponta” da internet que fez dela uma força tão poderosa para o bem econômico e social – todas as informações e o controle são detidos pelos produtores e usuários, e não pelas redes que os conectam.

As proteções que garantiam a neutralidade da rede foram uma lei desde o nascimento da internet – vigorando até o ano passado, quando a Federal Communications Commission (Comissão Federal de Comunicações) eliminou as normas que impediam as empresas a cabo e de telefonia de discriminar provedores de conteúdo.  Isso desencadeou uma onda de anúncios da parte de diretores-presidentes de empresas telefônicas dizendo que planejam fazer exatamente isso.

Agora o Congresso está diante de uma decisão.  Vamos devolver a neutralidade à rede e manter a internet livre?  Ou vamos deixar que ela morra nas mãos dos proprietários de redes que estão ansiosos para se transformarem em guarda-cancelas do conteúdo?  As implicações de se perder para sempre a neutralidade da rede não poderiam ser mais graves.

A atual legislação, que conta com o respaldo de empresas como AT&T, Verizon e Comcast, permitirá que as firmas criem diferentes camadas de serviços online.  Elas poderão vender acesso à via expressa para grandes empresas e relegar todos os demais ao equivalente digital a uma tortuosa estrada de terra.  Pior ainda: esses guardiães determinarão quem vai ter tratamento especial e quem não vai.

A idéia deles é se postar entre o provedor de conteúdo e o consumidor, exigindo um pedágio para garantir um serviço de qualidade.  É o que Timothy Wu, um especialista em política da internet da Columbia University, chama de “modelo de negócios Tony Soprano (personagem que é chefe da máfia da série de televisão Família Soprano)”.  Ou seja, extorquindo dinheiro para proteção de todos os sites na web – desde o menor dos blogueiros até o Google -, os proprietários de rede terão imensos lucros.

Sem a neutralidade da rede, a internet começaria a ficar parecida com a TV a cabo.  Uma meia dúzia de grandes empresas controlarão o acesso ao conteúdo e sua distribuição, decidindo o que você vai ver e quanto vai pagar por isso.  Os grandes setores como os de assistência médica, finanças, varejo e jogo vão se defrontar com enormes tarifas para o uso rápido e seguro da web – todos sujeitos a negociações discriminatórias e exclusivas com as gigantes da telefonia e da telefonia a cabo.

Perderemos a oportunidade de expandir vastamente o acesso e a distribuição de noticias independentes e de informações comunitárias por meio da televisão de banda larga.  Mais de 60% do conteúdo da web é criado por pessoas comuns, e não por empresas.  Como essa inovação e produção vão progredir se seus criadores vão precisar pedir permissão a um cartel de proprietários de rede?

O cheiro dos lucros caídos do céu paira no ar em Washington.  As empresas de telefonia estão fazendo o Maximo possível para legislar para si mesmas o poder do monopólio.  Estão gastando milhões em dólares em propaganda nos círculos do poder em Washington, em lobistas muito bem pagos, em firmas de pesquisa e consultoria que podem ser “compradas” e em operações de falsas bases populares com nomes Orwellianos como Hands Offthe Internet e NetCompetition.org.

A elas se opõem uma coalizão de verdadeiras bases populares de mais de 700 grupos, 5 mil blogueiros e 750 mil americanos que se arregimentaram para apoiar a neutralidade da rede no site www.savetheinternet.com.  A coalizão é de esquerda e de direita, comercial e não comercial, pública e privada.  Conta com o apoio de instituições das mais diversas áreas. Inclui também os fundadores da internet, as marcas famosas do Vale do silício e um bloco de varejistas, inovadores e empreendedores.  Coalizão de tais amplitude, profundidade e determinação são raras na política contemporânea.

A maioria dos grandes inovadores da história da internet começou na garagem de suas casas, com grandes idéias e um pequeno capital.  Isso não é por acaso.  As proteções à neutralidade da rede minimizaram o controle pelos proprietários de rede, maximizaram a competição e convidaram forasteiros a inovar.  A neutralidade da rede garantiu um mercado livre e competitivo para o conteúdo da internet.  Os benefícios são extraordinários inegáveis.

O Congresso está decidindo o futuro da internet.  A questão que se apresenta é simples: deve a internet ser entregue à meia dúzia de empresas a cabo e de telefonia que controlam o acesso online de 98% do mercado de banda larga?  Somente um Congresso cercado por lobistas de telecomunicações de alto preço e recheado com contribuições para campanha poderá possivelmente considerar um tal ato absurdo.

As pessoas estão acordando para o que está em jogo, e suas vozes estão ficando cada vez mais altas a cada dia que passa.  À medida que milhões de cidadãos forem se dando conta dos fatos, a mensagem para o Congresso será clara: Salvem a internet.

(*) Lawrence Lessig é professor de Direito na Stanford University e fundador do Center for Internet and Society (Centro de Internet e Sociedade)

(**) Robert McChesney é professor de Comunicações na Universidade de Illinois em Urbana-Champaign e co-fundador da entidade para reformulação da mídia Free Press