[Por Euro Mascarenhas/NPC] No início dos anos 80, os jogadores do Corinthians iniciaram todo um processo de luta por maior participação nas decisões do clube. A gestão do então presidente Vicente Matheus, tinha muito em comum com o regime ditatorial que ainda dominava o Brasil: uma estrutura hierarquizada e centralização das decisões, que excluíam os demais integrantes da instituição.

O movimento capitaneado por Sócrates, Casagrande, Wladimir e Zenon acabou por inspirar a luta por “Diretas Já”, que tomou as ruas de todo o país, como há algum tempo não vinha acontecendo.

Para falar melhor do que foi este período importante da história e do esporte brasileiro, o Quintas Resistentes recebeu o ex-jogador Zenon. Ao longo do programa, ele falou sobre o prazer de ter participado deste momento ímpar, também apontou a necessidade de os atletas de se posicionarem politicamente e deixou o recado:

— “Se aquele time estivesse atuando hoje, com aqueles mesmos atletas, nós estaríamos aí batendo de frente com esse momento que nós estamos vivenciando!”

Campeão no Guarani e noção da Ditadura

Antes de se destacar no Corinthians como jogador e por seu ativismo ao lado dos seus companheiros do Parque São Jorge, Zenon foi campeão brasileiro pelo Guarani no ano de 1978. Um feito inédito por um time do interior, que também contava com o famoso centroavante Careca. Sobre o segredo que tornou aquele time vencedor, Zenon afirma, “o nosso time tinha uma receita muito simples: ter uma união muito grande dentro do elenco, através disso que você consegue alcançar objetivos”.

Tão importante quanto a final contra o Palmeiras, que sacramentou o título do Guarani naquele ano, o ex-jogador recorda das duas partidas semifinais, “nós vencemos os dois jogos contra o Vasco, tanto aqui em Campinas, como no Rio de Janeiro, no templo do futebol, no Maracanã, onde eu fui o grande protagonista nos 2 x 1 que nós vencemos”.

Infelizmente, enquanto Zenon trilhava a sua carreira, o país sofria com uma ditadura. “A gente não se atentava tanto a esse regime, que era rígido, que era muito opressor na época. Então a gente era meio que alheio a tudo o que acontecia. Embora, a partir de 1975, eu já ingressei em faculdade, na UFSC, lá em Santa Catarina, e aí que comecei a tomar um pouquinho mais de conhecimento, o que era o regime da ditadura”, comenta.

O meio-campista chega ao Corinthians no início da década de 1980, ele comenta como toda a movimentação em prol de democracia dentro e fora do clube iniciou: “foi dentro de uma sala do Parque São Jorge que começamos a questionar sobre o momento que nós estávamos vivenciando. E aí partiu do sociólogo, o diretor Adilson Monteiro Alves, juntamente com o Sócrates, essa possibilidade de criar um projeto onde a gente pensaria no bem da sociedade e pensando também na redemocratização do país”.

A figura do diretor de futebol Adilson Monteiro, conhecido como “O Barba”, foi muito importante para que os jogadores tivessem respaldo no que estavam fazendo. Zenon relata que Adilson junto com Sócrates deu o conteúdo intelectual para o movimento, “ele era o nosso intermediário, a nossa ponte com a diretoria na época. (…) O Adilson escutava muito mais o Sócrates do que o Sócrates o escutava”.

Esporte e política

Na medida em que os jogadores assumiam o protagonismo por democracia dentro do clube e no país, as críticas vindas da imprensa esportiva, e até de companheiros de profissão, começaram a aparecer, “a gente tapava a boca deles, nós entravamos em campo e conseguíamos os objetivos e resultados”, afirma Zenon.

O bom desempenho e os resultados atraíam também os olhos da população para o que acontecia, mas o principal apoio era da própria torcida corinthiana. “A democracia ficava cada vez mais fortalecida, ainda mais com o povo brasileiro se mobilizando e vindo junto da gente. E outra coisa que pesou muito também foi a torcida do Corinthians, (…) e nós tivemos o apoio deles, da Gaviões, de todas as facções de torcedores do Corinthians”, lembra Zenon.

Para o meio-campista, o maior legado que a luta do seu grupo deixou para os atletas em geral, foi a possibilidade de um esportista usar a sua voz, que tem um peso importante na sociedade, e se posicionar politicamente sobre as questões sociais. Infelizmente, segundo Zenon, quase ninguém aproveitou esta abertura deixada por ele e seus companheiros. “O que a gente vê é atleta não se metendo nesse meio, atleta tratando de ficar só trabalhando, jogando o seu futebol e alheio ao que está acontecendo no país”, comenta Zenon.

Mesmo o Bom Senso Futebol Clube, um movimento recente em que os jogadores se uniram em prol de melhorias para o futebol no Brasil, recebeu algumas ressalvas do ex-camisa 10 do Timão: “Eu achei interessante, mas não houve coesão. Esse foi um dos principais problemas que eu vi. Não houve a mobilização que deveria ter de todos os atletas. Ficou um negócio de 2 ou 3”, relata.

Para Zenon, esporte e política precisam caminhar juntos, pois o atleta tem uma força muito grande, “quando você ouve um atleta falar, você presta atenção”. Por mais que hoje o futebol tenha se tornado um grande negócio e que muitos jogadores estejam associados às marcas, o veterano considera que o esportista é antes de tudo um ser humano. “Cabe a ele tomar partido ou não, porque não existe lei de mordaça. Existia na Ditadura, mas hoje não! Você tem toda a liberdade de se expressar. Então isso cabe muito ao atleta tomar esse partido, e não virar um robozinho na mão de determinadas pessoas”.