Quando o Congresso Nacional passou a ser co-responsável pela outorga e renovação das concessões de radiodifusão na Constituição de 1988, na verdade, estavam se perpetuando os mecanismos de uma prática política arcaica que passou a ter na mídia – no rádio e na televisão, sobretudo, mas também nos jornais e revistas – a sua forma principal de reprodução. Consolidou-se um sistema perverso que se auto-reproduz apoiado em um coronelismo de novo tipo – agora eletrônico.
Hoje, um sistema que deveria servir prioritariamente ao interesse público é privado e comercial, concentrado, controlado por uns poucos grupos nacionais, alguns deles parceiros dos maiores conglomerados globais do setor. Além disso, é controlado em boa parte por políticos profissionais e igrejas – evangélicas e católicas – e funciona sob a inconteste hegemonia das Organizações Globo e seus centenas de parceiros e afiliados espalhados por todo o território nacional.
É sobretudo a articulação dos intrincados interesses envolvidos na reprodução desse poderoso sistema – interesses tanto econômicos quanto políticos – que, de forma mais ou menos explícita, tem sido capaz de impedir que se avance no sentido da regulação das comunicações e de sua democratização no Brasil.
Uma breve análise do fracasso de algumas importantes iniciativas, até aqui feitas pelo governo Lula no setor, demonstrará isso. Foi assim, por exemplo, no caso da transformação da ANCINE em ANCINAV, no caso da criação das RTVIs, na implementação de medidas para consolidar as rádios comunitárias ou nas tentativas frustradas de se articular um projeto de Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa.
Essas são algumas das razões que deixam clara a absoluta necessidade de que um novo governo Lula tenha como prioridade apoiar firmemente a formação e consolidação de um sistema público [não estatal] de mídia que possa se constituir em alternativa real ao atual sistema.
Sem essa prioridade, os interesses da imensa maioria da população brasileira continuarão excluídos e sem representação na mídia. Mais ainda: continuaremos sem condições políticas de governabilidade e sustentabilidade diante da necessária implantação de políticas públicas – não só relativas à comunicações – que contrariem os interesses de um sistema de mídia arcaico, estrategicamente articulado em todo o país e que se transformou em garantia permanente da manutenção do status quo.
Venício A. de Lima é jornalista e Pesquisador Sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília (UnB).