Por Sheila Jacob – NPC
Os participantes do 22º Curso Anual do NPC puderam conhecer melhor o trabalho do NPC na manhã de quinta-feira (17). Claudia Santiago Giannotti, coordenadora do Núcleo, falou sobre a experiência de produção do livro sobre comunicação popular. Para ressaltar a importância da mídia contra-hegemônica, apresentou um trecho do documentário “Milton Santos: o mundo global visto do lado de cá”, do cineasta Silvio Tendler, também palestrante do evento. Em cinco minutos, o vídeo mostra como um pequeno número de agências internacionais ligadas ao mercado financeiro controlam a interpretação do que se passa no mundo. “Por isso a importância da comunicação popular, para se contrapor a essa hegemonia do pensamento único”, ressaltou Claudia Giannotti.
Quanto aos desafios colocados para a esquerda hoje, o cientista político Reginaldo Moraes apresentou uma linha do tempo guiada por sua memória pessoal. Em sua exposição, ele procurou tratar das transformações econômicas e no pensamento dos anos 1970 até os dias de hoje. Segundo ele, essa reflexão é importante para entendermos os desafios colocados à classe trabalhadora neste atual momento.
Uma volta ao passado
Como Reginaldo Moraes lembrou, nos anos de 1969 e 1970, o clima no Brasil era de perseguição, censura prévia à imprensa, prisões, tortura, assassinatos. Foi um tempo em que a classe trabalhadora estava silenciada depois das greves de 1968. Os grupos de esquerda estavam, naquele momento, dizimados. Mas a resistência se fazia presente nos bairros operários.
O professor lembrou que a ditadura militar era desenvolvimentista e, naquele momento, São Paulo passava por um momento de industrialização e urbanização. “As grandes fábricas do ABC e o movimento das cidades foram, para nós, uma escola política a céu aberto”, lembrou. Os momentos de campanha salarial eram preciosos para sondar a disposição dos operários para participarem da luta. Era quando trabalhadores, antes alheios à situação política, começavam a participar do sindicato, virar lideranças etc. E isso não acontecia só com os trabalhadores: envolvia as famílias. Nas periferias firmou-se uma importante aliança entre católicos e comunistas. Surgiram os clubes de mãe das periferias e vários outros grupos. Silenciosamente, os bairros se foram tornando centros subversivos.
Uma década depois, no final dos anos 1970, os movimentos operários saem das sombras, chegam às TVs e começam a falar em público. Tudo parecia que ia melhorar. “Mas, com essa vitória, veio também uma derrota, que só percebemos muito tempo depois”, lamentou Reginaldo Moraes. Nesse momento, em outubro de 1978, Karol Wojtyla tornou-se João Paulo II. Sua missão foi destruir a igreja progressista, ligada aos mais pobres, e atacar o comunismo. Com o enfraquecimento da igreja católica começa a ascender uma outra igreja, a neopentecostal, que se firmou na década de 1980 sob a influência dos Estados Unidos. “Os demônios descem do Norte”, disse Regis, em referência ao livro de mesmo título do jornalista Delcio Monteiro de Lima.
Fragmentação dos trabalhadores
Com a destruição das igrejas ligadas ao movimento operário, outra mudança prática se deu: a onda de desnacionalização e fragmentação dos grupos de trabalhadores. A desagregação da base industrial gerou importantes mudanças na vida pessoal daqueles que não se enxergam mais como um grupo com afinidades. Na avaliação de Reginaldo Moraes, essa nova configuração apresenta mais desafios à esquerda. “Não foi a direita que cresceu, fomos nós que diminuímos quantitativa e qualitativamente. Deixamos de ter presença na vida política dos trabalhadores. A nossa base material, o movimento operário, foi sendo enfraquecida. E não tivemos criatividade para criar novas formas de organização para responder a isso. As igrejas foram substituídas pelas salas de culto e pela teologia da prosperidade. Jesus não é mais um trabalhador que prega a divisão dos bens; é um sócio neoliberal em quem você pode investir e depois cobrar”, pontuou.
Segundo ele, essas alterações de base material resultaram em mudanças no fator subjetivo. “O mecanismo da produção de ideologia nos tornou reféns do sentimento de individualismo e neoliberalismo. O público não tem importância. As TVs, que também se firmaram nas décadas 1970, passou a prender as pessoas em casa e a se acostumarem com a novelização do crime. Temos que sair dessa armadilha, imaginar novas formas, criar alternativas”, finalizou.
Comunicação popular
Claudia Giannotti finalizou lembrando o filme “Grita povo”, que aborda como as igrejas progressistas foram muito importantes para a comunicação popular no período da redemocratização. “Vendo esse filme, resolvemos ver como está a comunicação popular no Rio hoje. Quem faz? Quem produz? Quais são as novas formas? Aí veio o documentário ‘Comunicação popular no Rio: quem faz?’, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=sSSFvoZzwdQ