(Sérgio Domingues)
No último filme da Disney, tubarões resolvem adotar dieta vegetariana. No Brasil do governo Lula, os tubarões capitalistas parecem satisfeitos com salada, mas aguardam o momento para voltar à velha dieta carnívora. Para nos prevenir contra isso, temos que discutir projetos e parar de nos acusar entre nós.
Em Procurando Nemo, uma dupla de peixinhos “de aquário” depara-se com um trio de enormes tubarões e consegue escapar sem ser devorada. O motivo é que os bichões adotaram uma dieta vegetariana. Organizam reuniões em que comemoram cada dia ou semana em que venceram a tentação de se alimentar de seus “irmãos” peixes. Mas, quando um dos peixinhos se machuca e sofre um sangramento leve mas forte o suficiente para chegar às narinas de um dos tubarões, as convicções vegetarianas são logo esquecidas e acontece uma recaída típica de um alcoólatra depois de se permitir uma pequena dose.
Parece ser esta a situação do governo frente à burguesia. Esta, desde a derrota de José Serra, anda dizendo que só come salada e chamando o governo petista de irmão. Mas continua com o mesmo insaciável apetite por sangue. E o que é o sangue para a burguesia? São os trabalhadores e a população em luta. Basta ouvir falar disso para salivar e mostrar os dentes.
Grande mídia é o focinho da burguesia
E as narinas da burguesia, o que são? São os aparelhos da grande mídia. E nas últimas semanas, algumas delas andaram muito sensíveis. É o caso da revista Época. Em sua edição 268, a capa diz o seguinte “MST. Eles querem a revolução”. Na edição 271 da mesma revista, uma capa toda preta com grandes letras brancas avisa “Chega!”. E explica logo abaixo em letras menores: “Invasões de sem-teto e sem-terra, declarações incendiárias, greves e protestos contra as reformas agravam a tensão social em todo o país. Em meio à confusão, o repórter fotográfico Luís Antônio da Costa, a serviço de ÉPOCA, é assassinado diante de um acampamento no ABC paulista…”. Neste particular, tanto a revista como muitos comentaristas da grande imprensa vibraram com a morte do jornalista. Nada como um episódio desses para tentar criminalizar o movimento. Arnaldo Jabor tem se destacado nessa tarefa repugnante.
Vamos a mais exemplos. A capa da Veja de 1807 chama José Rainha de delirante. Depois disso, Veja só voltou a atacar na edição 1811 com a sugestiva capa: “O Brasil apagou. Crise também na areia: os turistas sumiram das praias nordestinas”. Aqui entra o outro elemento. Não se trata apenas de invasões, manifestações, pressões dos trabalhadores, greve de servidores. Há também a crise econômica, juros altos, recessão, o desemprego etc. Essa é a linha preferida pela imprensa diária considerada séria, ainda que não perca a chance de também exigir lei e ordem para os trabalhadores. É o caso do Estadão do dia 2 de agosto, que traz a manchete “Lula adia viagem para segurar crise”. E esclarece o que entende por crise: “Reforma da Previdência corre risco de desfiguração. Invasões no campo e nas cidades provocam tensão. Ministros Dirceu e Palocci travam disputa silenciosa”. Antes, em 29 de julho, a manchete era “Conselheiros de Lula pedem pacote urgente para movimentar economia”. Aí, já é na linha do desenvolvimentismo. Um desenvolvimentismo que o jornalão não cobrou de FHC nos 8 anos em que o apoiou.
A Folha? Em 27 de julho, ela diz “Crise do emprego piora no governo Lula”. No dia 2 de agosto, “Dólar passa dos R$ 3; Bolsa cai e risco sobe”. Mas no conteúdo de suas matérias fica muito claro que o problema é falta de pulso do governo com o movimento social de um lado e com a aprovação das reformas de outro.
No entanto, não estamos aqui para nos surpreender com a sanha sanguinária de tubarões. Esta é a natureza deles. Principalmente, quando falamos daqueles que usam gravata, andam de jatinho e passam férias em Miami. Temos que nos preocupar é com a nossa segurança. Nos prevenir para uma recaída que certamente virá.
Aí, já ouço comentários vindo, tanto dos que estão descontentes com o governo Lula, como daqueles que concordam com suas medidas. Uns dizem que o governo confia demais nos tubarões. Aliás, muitos dizem que já passou para o lado deles. Mas há outros que defendem que o governo está no rumo certo e que os movimentos sociais é que estão fazendo o jogo da direita. Incendeiam o campo e as cidades, são corporativos, indisciplinados etc.
Bem, o fato é que os tubarões não compartilham nem da opinião dos primeiros, nem da avaliação dos últimos. Querem é que o governo Lula garanta que os movimentos sociais vão ficar quietos, vão fazer uma trégua de 3, 4 anos. O problema é que não há como fazer isso. O governo é cobrado e diz que é pela lei e a ordem. O PT, a CUT, o MST nasceram contra a legalidade de sua época. O PT realizava encontros partidários paralelos àqueles exigidos pela lei eleitoral. A CUT até hoje não existe como entidade prevista pela CLT. Do MST, nem precisamos falar. O pouco que existe de distribuição de terras no país é devido a ações que os Sem-Terra corajosamente patrocinaram mesmo sob feroz repressão dos aparelhos de repressão policial, militar e particular.
E tem mais. Por mais que digam o contrário, estes três movimentos contam com relativa autonomia entre si. As declarações de descontentamento de um Luiz Marinho, amigo pessoal de Lula, tem muito de encenação. Mas, não deixam de ser uma exigência do cargo de presidente de uma Central que surgiu afirmando-se como independente de governo e dos patrões. O próprio PT tem problemas para controlar seus parlamentares, mesmo contando com todo o autoritarismo de José Genoino. Assim, o raio de ação do governo Lula acaba tendo que contar com um mínimo de negociação com os setores responsáveis pela vitória de outubro passado. Não pode simplesmente passar por cima deles.
No entanto, os tubarões não querem apenas um movimento social controlado e dócil. Também querem crescimento já. Mais mercado, mais crescimento. Mas tudo isso sem mexer no modelo. Sem romper com o FMI e sem suspender o pagamento da dívida externa. E aí entra o equívoco do governo Lula, que acha que pode salvar o país agradando a todos. Aos tubarões e aos peixinhos.
E se a burguesia encerrar a dieta vegetariana?
Por outro lado, para aqueles que acusam o governo Lula de traidor e o caracterizam como neoliberal , a pergunta é a seguinte: E se apesar de toda a boa vontade do governo em relação aos planos da burguesia, assim mesmo ela se voltar contra ele? Se avaliar que o governo Lula não está correspondendo? Se resolver suspender de vez a dieta vegetariana de seus tubarões e jogá-los contra o governo? Que vamos fazer? Vamos dizer “Tá vendo? Não avisamos?”. Ou vamos para as ruas defender o governo? Claro que vamos defender o governo! E vamos fazê-lo porque não se trata de um governo neoliberal ou traidor. Mas de um governo como um projeto equivocado. E é essa discussão que temos que fazer entre nós, colegas de aquário.
Não adianta ficar gritando que o governo é traidor. Nem defender tudo o que ele faz até debaixo d´água. Temos que chamar a militância e simpatizantes petistas, sindicalistas, sem-terras e a esquerda em geral para discutir se o projeto está certo. E se não estiver, propor outro(s). Do contrário, corremos o risco de ficar na dependência de que os peixões continuem com seu regime.