Publicamos abaixo a que a historiadora e professora da rede municipal de Educação do Rio de Janeiro, Natália Souza, enviou à BandNews FM nesta quarta-feira, 09/10/2013. Ela ficou impressionada com a falta de informação durante um comentário sobre a greve. No texto enviado por e-mail à emissora, Natalia explica as razões do movimento dos professores. Em uma crítica geral à mídia a professora ressalta a importância de os jornalistas não ouvirem apenas as fontes oficiais em suas matérias. Confira.

No dia 07/10, milhares de pessoas lotaram a Av. Rio Branco, no Centro do Rio de Janeiro, numa passeata em apoio ao movimento dos educadores | Foto: Pablo Vergara

No dia 07/10, milhares de pessoas lotaram a Av. Rio Branco, no Centro do Rio de Janeiro, numa passeata em apoio ao movimento dos educadores | Foto: Pablo Vergara

“Acabo de ouvir a sua fala ao vivo na Band News e, assim como muitos outros professores, fiquei estarrecida. A mídia em geral parece muito mal informada a respeito do nosso movimento. Hoje, por exemplo, está acontecendo uma assembleia que decidirá pela continuidade ou não da greve. Provavelmente ela irá continuar, pois, ao contrário do que vocês afirmam, não houve QUALQUER avanço significativo para a categoria. Você diz achar um absurdo que os professores com ponto cortado não reponham aula. Eu te pergunto: você trabalha de graça? Professor é missionário? Os professores são PROFISSIONAIS como quaisquer outros, e não têm nem mais nem menos obrigação moral de trabalhar do que você ou do que qualquer outro trabalhador. Se teremos nossas remunerações cortadas, também não teremos a obrigação de repor os dias de aula não trabalhados. Isso parece óbvio, não é? Por que criminalizar os professores, jogando a população contra a categoria? Já escrevi a você algumas vezes explicando as razões da greve dos professores. Na maioria delas, fui ignorada. Vocês preferem escutar as autoridades, que mal sabem o que se passa na rede, como o próprio Eduardo Paes deixou claro em entrevista à sua rádio.

O plano de cargos, ao contrário do que você afirma, não é um avanço. Ele é um retrocesso imenso, que golpeia de morte a educação pública do Rio de Janeiro. Há alguns dias, enviei-lhe uma carta da ANPUH (Associação dos professores universitários de História) em que expressava-se grande preocupação com a institucionalização do professor generalista, ou polivalente, que ensina conteúdos dos quais não têm domínio e para os quais NÃO têm habilitação legal para lecionar. Esse é UM dos inúmeros problemas do plano. Além disso, ele contempla menos de 5% dos professores. Os outros simplesmente foram ignorados. Como vocês podem afirmar que um plano que exclui 40.000 professores é um avanço? Ah, mas antes não havia nenhum! E daí? Quer dizer que um plano que destrói a educação pública no Rio de Janeiro é melhor do que nenhum? Desculpe, eu e cerca de 30.000 professores não concordamos com você. Acho que somos um número expressivo para simplesmente termos a nossa voz ignorada, não é? E pra terminar: não há radicalismos dos dois lados! Há autoritarismo do governo e uma reação cada vez mais contundente dos professores: procure se informar mais com eles e menos com as autoridades.

Quando o prefeito afirma que o SEPE não é confiável porque não cumpre suas promessas, ele dá mais uma prova de que não conhece o significado de DEMOCRACIA. O Sepe sempre submete a pauta negociada com as autoridades à aprovação ou não dos professores, em assembleia. Em muitos casos, contrariando a orientação do próprio Sepe, os professores votaram pela continuidade da greve. Isso não significa que o sindicato não cumpre o que promete, mas que os professores, em sua soberania, decidiram coletivamente tomar um rumo diferente daquele que desejava o sindicato. Ou seja, não somos manipulados, controlados, ovelhas de rebanho dessa ou de qualquer outra organização sindical, como diz o prefeito. Temos vontade própria, e ela às vezes diverge da própria orientação sindical, ainda que todos os professores reconheçam APENAS no Sepe o representante legítimo da categoria docente. Quem não cumpre o que promete é o prefeito: saímos da greve após PUBLICAÇÃO EM DIÁRIO OFICIAL de uma ata assinada pelo prefeito na qual ele se comprometia a discutir e elaborar COLETIVAMENTE o Plano de Carreira dos professores.

O documento GARANTIA a participação do Sepe. Após o fim da greve, o prefeito descumpriu o que havia sido acordado, tirou da cartola um plano feito por ele e seus assessores, convocou os vereadores ao Palácio da Cidade para barganhar a aprovação do plano sem que os professores sequer soubessem do que se tratava! Não só não participamos de sua elaboração como não tivemos nem acesso ao plano. Isso te parece democrático? Te parece honesto? Por fim, acho que não preciso relatar como essa história terminou: a cidade sitiada, todo o aparato repressivo do Estado mobilizado para aprovar um plano da forma mais autoritária possível, professores impedidos de assistir à votação na Câmara, vereadores votando um projeto de lei enquanto os maiores interessados nisso, os professores, eram covardemente surrados do lado de fora. O que você considera radicalismo? Que os professores se mantenham em luta, depois de tudo o que nos aconteceu? Você foi muito infeliz ao igualar o autoritarismo, a violência desmedida, a insensibilidade às demandas de parcela significativa da categoria, a arrogância desse governo, à luta de uma categoria que não fazia greve há 20 anos e que não suporta mais assistir passivamente à destruição da escola pública na nossa cidade. Nós sabemos muito melhor do que vocês quem é o prejudicado cotidianamente, à medida que a educação do Rio de Janeiro torna-se cada vez mais precária. Nós estamos todos os dias em sala, presenciando o descaso do poder público com esses mesmos alunos com quem o prefeito e a imprensa dizem estar tão preocupados. Professor quando luta também ensina. Nossos alunos estão aprendendo conosco que as conquistas sociais são o resultado de lutas. Nada é conquistado sem sacrifício. Esse sacrifício é coletivo: dos professores, dos alunos, de toda a sociedade. Educação não é “problema” só de professor e aluno. É de todos nós. E é preciso responder com toda a contundência quando o Estado trata a questão social como questão de polícia.
Atenciosamente,
Natália Souza”