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Por Henrique Costa |
Um investimento de bilhões de reais envolvendo dinheiro público, a ascensão de novos barões do capitalismo brasileiro, promessas de um novo mundo nas telecomunicações e um estranho consenso na política nacional. Assim vai se delineando a provável fusão entre a Brasil Telecom (BrT) e a Oi (antiga Telemar). Um negócio ainda nebuloso, descrito pelo governo Lula como de “interesse nacional”, mas que, pelo menos por enquanto, não apresenta garantias de que o cidadão brasileiro venha a ter algum benefício com a operação. Por hora, o governo se apega à possibilidade de que a nova empresa, apelidada de Oi/BrT, esteja disposta a bancar a universalização da banda larga como forma de garantir um “motivo nobre” para a negociação. Na prática, o negócio pode se tornar uma inesgotável fonte de escândalos. Desde o envolvimento do empresário Daniel Dantas, mergulhado em processos na Justiça (inclusive por gestão fraudulenta da própria BrT), passando pela mediação do controverso presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, até a relação pessoal do presidente Lula com os maiores beneficiados do negócio e a realização de uma manobra jurídica que cheira a casuísmo, muita coisa segue no ar em função do silêncio do governo. Silêncio que pode ser indício da intenção do governo de não poupar esforços para que a fusão aconteça. Na defesa da operação prevalece o lugar-comum do “interesse nacional”. Nesse caso, como em tantos outros, não parece haver a preocupação em apresentar argumentos consistentes e a sensação geral é de que a questão já está encaminhada, sem o recomendável debate público. Resta saber se, mesmo sendo parte de um projeto político de desenvolvimento do país, o tiro não sairá pela culatra e responderá, como em outras passagens históricas, ao “interesse nacional privado”. Não são poucas as exigências a serem transpostas para que os empresários Carlos Jereissati, do La Fonte, e Sérgio Andrade, da Andrade Gutierrez, venham a controlar um imenso monopólio na telefonia fixa. Mas o processo já está em vias de se concretizar: em evento no Rio de Janeiro em 29/1, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, confirmou que as duas empresas pretendem se fundir e informou ainda que a mudança no Plano Geral de Outorgas – que será feita através de um decreto presidencial e que permitirá a união entre as empresas – deverá ser concluída dentro de 15 a 30 dias. O Plano Geral de Outorgas dispõe de um artigo que limita os termos de uma possível fusão de operadoras de telefonia fixa nascidas da privatização do sistema Telebrás, em 1998. Caso isso acontecesse, a empresa compradora teria que abrir mão de sua concessão original. A Oi, que detém a concessão para a exploração do serviço em toda a região Nordeste, parte da região Norte e ainda os estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, teria, portanto, que deixar de operar nestas áreas e assumir a concessão da BrT, que abrange os estados do Sul e do Centro-Oeste, além de Acre, Rondônia e Tocantins. Como, evidentemente, a Oi não pretende abrir mão de sua área, vem operando a negociação à revelia da legislação atual, mas com garantias expressas do governo de que esta será revista. Há dúvidas se esse óbvio casuísmo pode ser benéfico para o país. Algumas perguntas tornam-se por demais pertinentes. O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), emitiu nota em que condena a possível fusão sob o argumento de que ela reduz a concorrência e aumenta o poder de influência da nova empresa sobre a Anatel na regulação das tarifas. De fato, a Oi/BrT estaria assumindo um mercado que abrange todo o território nacional, com exceção do estado de São Paulo. E, afinal, como os “humores” do mercado são imprevisíveis, quem pode garantir que a alteração na PGO não facilite outras fusões e que no futuro tenhamos uma única operadora de telefonia fixa no Brasil? Fusão necessária? Editado o decreto presidencial, a fusão ainda precisará ser analisada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que, espera-se, deverá questionar o negócio. Como lembrou Rubens Glasberg, editor do site Teletime News, é preciso perguntar: de que forma as empresas justificarão a fusão? Se assumirem que não há problemas, por não competirem entre si, negarão automaticamente qualquer possibilidade de competição no setor de telecomunicações. Outra possibilidade é admitir que não o fizeram até hoje porque mantêm um acordo. Ou seja, vêm agindo como um cartel. Em termos de receita, as duas empresas juntas somam R$ 21 bilhões. Oi e BrT afirmam, contudo, que não sobreviveriam isoladas a uma competição com Telefónica e Embratel, gigantes de nível internacional. Para Glasberg, o argumento é falacioso porque as empresas nacionais “apresentam balanços muito melhores do que o da Embratel de Carlos Slim, e estão estrategicamente posicionadas na convergência fixo-móvel de uma maneira muito superior à da Telefónica”. Já Marcos Dantas, professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-RJ e ex-membro do Conselho Consultivo da Anatel, discorda da análise. Para ele, a concorrência no setor de telecomunicações é global, o que dá vantagem às empresas de capital estrangeiro. “A Telefónica não é uma empresa paulista, mas mundial, podendo contar, caso venha a precisar, com recursos que a sua matriz espanhola lhe aporta a partir dos lucros que retira do Chile, da Argentina, do Peru, de muitos outros lugares.” O argumento do governo, ainda que este não tenha vindo a público, é a necessidade de o país contar com uma empresa de capital nacional que dispute o mercado internacional de telecomunicações. A Oi e a BrT, no entanto, nunca demonstraram interesse em competir no mercado internacional, e nem sequer competir, por exemplo, com a Telefónica em São Paulo. Justamente por isso, Marcos Dantas indica que esta é uma questão que depende da política governamental. “O mercado internacional, em especial o latino-americano, está hoje ocupado, e os custos de entrada talvez sejam maiores do que eram há 10 anos. Será necessário um projeto de governo.” Dinheiro público Sobram motivos para questionar a negociação. Como tem sido noticiado, a Oi deve desembolsar R$ 8,3 bilhões para a compra da BrT. Mas para que a nova empresa se mantenha nas mãos de controladores nacionais, os acionistas Sérgio Andrade e Carlos Jereissati devem obter o financiamento do BNDES. “Quem já buscou dinheiro no BNDES sabe que, em teoria, o banco estatal não empresta dinheiro para a aquisição de empresas, mas para novos projetos de desenvolvimento e expansão muito bem explicitados em rígidos planejamentos financeiros”, questiona Glasberg. Al ém disso, segundo a revista Carta Capital, os fundos de pensão Previ, Petros e Funcef têm sido pressionados pelo governo a participar da transação. O BNDES é hoje comandado pelo economista Luciano Coutinho, entusiasta da formação de grandes corporações e um dos artífices da fusão que gerou a cervejaria Ambev, celebrada à época pelos benefícios ao “interesse nacional” que traria o surgimento de uma multinacional brasileira. A Ambev é hoje controlada pelo grupo belga Interbrew e detém mais da metade do mercado brasileiro de cervejas, não proporcionando em todos estes anos nenhum benefício ao consumidor. Foi cogitada a possibilidade de que o BNDES incluísse uma cláusula no contrato de empréstimo que lhe daria preferência de compra caso algum acionista decidisse deixar a futura Oi/BrT. A questão é que mesmo isso não garante que a empresa não possa ser adquirida por um grupo estrangeiro, pois o banco, por decisão deste governo ou de qualquer outro, pode simplesmente abdicar deste “direito”. Marcos Dantas admite a possibilidade e coloca a responsabilidade no governo. “Penso que o governo deve ter instrumentos para evitar a desnacionalização de uma futura empresa que resulte dessa fusão, mas se o futuro presidente não for patriota, não adiantará nada”. A Casa Civil foi procurada pela reportagem, mas não quis se pronunciar. A manutenção do silêncio do governo nas últimas semanas constrange, inclusive, os que defendem, por motivos nobres, a fusão das duas empresas de telecomunicações. Atitudes como isentar Daniel Dantas de processos na Justiça – sua exigência para concretizar o negócio – parecem absurdas e inconseqüentes. Se uma Oi/BrT pode ser benéfica para o cidadão, que se coloque fatos à vista, e a opinião pública poderá tirar as suas próprias conclusões. Fonte: Observatório do Direito à Comunicação |