No Brasil, cerca de 7,2 milhões de trabalhadores já sofreram corte de salário após MP 936, do governo Bolsonaro
Os trabalhadores de um dos maiores polos metalúrgico do Rio Grande do Sul estão sentindo os efeitos da crise econômica agravada pela pandemia do coronavírus. Em meados de abril, o complexo automotivo da GM (General Motors), que já estava parado em férias coletivas desde 20 de março, implementou um layoff (suspensão temporária dos contratos de trabalho) que pode durar por até quatro meses em Gravataí (RS), região metropolitana de Porto Alegre. O acordo coletivo foi fechado com o sindicato dos trabalhadores (SINMGRA) e aprovado em assembleias virtuais pela categoria, atingindo cerca de 6 mil trabalhadores entre empregados diretos da GM e das empresas sistemistas que integram o complexo.
O layoff aprovado foi adequado à medida provisória (MP) 936, publicada pelo governo federal em 1º de abril. A MP permite acordos individuais e coletivos entre empresas e trabalhadores que reduzem jornada de trabalho e salários e suspendem contratos de trabalho. Empregados que aderem à MP 936 recebem um benefício emergencial do governo para compensar a porcentagem que foi reduzida dos salários. O benefício é calculado com base no valor do seguro-desemprego a que teriam direito caso fossem demitidos.
A MP também prevê estabilidade no emprego enquanto vigorar o acordo e, pelo mesmo tempo, após ser encerrado, determinando multa às empresas que demitirem sem justa causa durante o período de estabilidade.
Até o dia 12 de maio, cerca de 7,2 milhões de trabalhadores já tinham sofrido redução de salário por meio da MP 936, segundo dados divulgados pelo Ministério da Economia. O Rio Grande do Sul foi apontado como o quarto estado que registrou mais acordos, atingindo 403,5 mil trabalhadores (5,6% do total). O estado ficou atrás apenas de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
No caso dos trabalhadores da área da produção do complexo da GM de Gravataí, o acordo prevê cinco faixas de redução que vão de 5% a 25% de desconto sobre o valor líquido dos salários. Estima-se que mais da metade dos trabalhadores do complexo integrem as duas primeiras faixas: a de desconto de 5%, que é para quem ganha até R$ 2.090,00; e a de corte de 10% para quem recebe entre R$ 2.091,00 e R$ 5 mil. Acordos de layoff de mesmo teor foram feitos nas plantas da GM em São Caetano do Sul (SP) e em São José dos Campos (SP) com os sindicatos locais. Após quase dois meses parada, a GM em São Caetano retomou a produção apenas com o 1º turno da fábrica nessa 2ª feira (18/05). De acordo com a empresa, foram estabelecidos rígidos protocolos de prevenção para garantir a segurança dos funcionários, ao passo que a pandemia do coronavírus se agrava naquele estado.
A fábrica de Gravataí (RS) está entre as mais produtivas do mundo da GM. Até a parada em março, a planta operava nos três turnos devido à grande demanda de veículos Onix, modelo lançado em 2019 após um investimento de R$ 1,4 bilhão na unidade da empresa. O complexo da GM em Gravataí responde por 45% da arrecadação de ICMS e por 10% do PIB (Produto Interno Bruto) do município. Em nota divulgada quando negociava o layoff e as reduções de salários com os sindicatos no final de março, a GM do Brasil defendeu a necessidade das medidas com impacto salarial para “manter empregos”. A empresa afirmou que banco de horas, férias e outros planos de redução não seriam suficientes diante da crise “sem precedentes que o Brasil e o mundo enfrentam”.
Demissão de mais de 250 trabalhadores mesmo com o layoff
Mesmo com a redução de salários e a suspensão dos contratos de trabalho, a empresa Gestamp demitiu 257 trabalhadores da sua fábrica no complexo em Gravataí (RS) em 13 de maio. Inicialmente, a empresa de matriz espanhola tinha anunciado 400 demissões, mas, após negociação com o sindicato dos metalúrgicos da cidade (SINMGRA), reduziu o número. A Gestamp tem cerca de 1,2 mil funcionários que produzem as estamparias dos carros montados pela GM.
O diretor administrativo do Sinmgra, Valcir Ascari, contou que as demissões pegaram todos de surpresa. Afinal, o contrato prevê estabilidade no emprego durante a suspensão e pelo mesmo período pelo qual estiveram parados, quando retornarem ao trabalho. “É horrível, é uma situação muito complicada ter essas demissões durante o layoff. É triste ver os trabalhadores perderem seus empregos num momento de crise como este”, lamentou. A Gestamp justificou ao sindicato que demitiu em decorrência de problema de caixa, pois não está produzindo nada, e também citou a alta do dólar.
A empresa tem mais de 100 fábricas em todo o mundo e estava com 23 unidades fechadas apenas na Espanha. No Brasil, além de Gravataí, a Gestamp reportou ao sindicato que tinha demitido na unidade de Taubaté, em São Paulo. “É uma empresa multinacional que reduziu salário e está em layoff. Pressionamos muito para que não demitisse, mas ela não abriu mão. E no meio dessa epidemia, com o complexo parado, não tem nem como fazer protesto”, disse Ascari. O sindicato não aceitou parcelar o pagamento dos acertos das rescisões, como propunha a Gestamp. Na negociação com a empresa, além de reduzir o número de demissões, conseguiu estender a manutenção do plano de saúde para mais 3 meses e um abono de R$ 700,00.
Demissões para além da GM
Antes da sistemista Gestamp, o Grupo Digicon, que tem as empresas PERTO e DIGICON, já tinha demitido cerca de 200 trabalhadores assim que retornaram das férias coletivas no final de abril. Em praticamente um mês, foram quase 500 demissões nas fábricas metalúrgicas da cidade. Questionado se a tendência é de ocorrer mais demissões no setor, o diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Gravataí (RS), Valcir Ascari, alertou que tem empresas que não estão bem do ponto de vista econômico. “Se a situação continuar assim, o sindicato vai ter que negociar muito para manter os empregos”, disse. A base do sindicato é formada por 14 mil metalúrgicos.
O fato é que outras empresas metalúrgicas de Gravataí vêm adotando medidas com impacto nos salários de seus trabalhadores. A TDK do Brasil, que tem matriz na Alemanha, estabeleceu acordo em que reduziu jornada de trabalho e de salário. A empresa foi contatada pela reportagem para obter mais informações, mas não retornou. A TDK emprega cerca de 1,5 mil trabalhadores e produz capacitadores destinados em sua grande maioria ao setor automotivo.
Outras empresas optaram por aderir à MP 936 do governo federal. A Mundial mantém 40% da fábrica em operação. Uma pequena parte dos cerca de 1 mil empregados sofreu redução de 50% na jornada de trabalho e dos salários. Mas a maioria dos trabalhadores tiveram os contratos de trabalho suspensos por 30 dias a partir do final de abril, que poderão ser prorrogados.
A DANA, multinacional que emprega 1,2 mil trabalhadores em Gravataí, adotou redução de 25% da jornada e de salário por até 3 meses para assalariados e suspensão de contrato de trabalho por até 60 dias para os diretos e indiretos no final de abril. Em contato realizado na semana passada, a assessoria de imprensa informou que a DANA ainda estava definindo como iria funcionar a produção, pois dependerá da demanda dos clientes. Em Gravataí, a empresa fabrica produtos para cardans e sistemas de eixo e transmissão para máquinas agrícolas.