[Por Gabriela Gomes*] No último dia 24 de março de 2022, tivemos o prazer de conversar com Ana Maria do Carmo da Silva, mais conhecida como Ana Dias no programa Quintas Resistentes. Ana iniciou sua militância na década de 1960, e junto com outras mulheres participou da luta pela diminuição do custo de vida, por creche, escola, transporte e melhores condições de vida na periferia da cidade de São Paulo. Um movimento popular de massa que ficou conhecido como “Luta contra a Carestia”.
Ana foi companheira de vida de Santo Dias da Silva, militante metalúrgico assassinado pela PM durante uma greve enquanto distribuía panfletos em frente à fábrica Silvânia, em Santo Amaro, Zona Sul de São Paulo, no dia 30 de outubro de 1979. Casaram-se em 1965. Santo era membro da Pastoral Operária e da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo.
A vida com Santo
Ana nos conta que na fazenda onde trabalhava, e onde conheceu Santo Dias, os sindicatos rurais estavam exigindo a carteira de trabalho, salários e os direitos trabalhistas básicos. Santo começou a organizar os trabalhadores para lutar nessa causa e assim que o patrão descobriu, o expulsou na mesma hora. “Até acontecer isso eles gostavam do Santo. Depois que aconteceu isso, ele era subversivo, era comunista, era perigoso.”, explica.
Naquela época estavam se formando as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) como principal instrumento pastoral da Igreja católica. Era o tempo da opção preferencial pelos pobres. Ana e Santo começaram, juntos, em sintonia, a participar deste movimento. Conversavam sobre cada passo e trabalhavam unidos em cada movimento, em cada luta.
Ela recorda que eles conseguiram comprar um terreno num bairro da periferia de São Paulo, porém, a situação era precária demais. Não havia luz, água, asfalto, escola, ônibus. Daí deu mais vontade de lutar por melhorias de condições de vida da população da periferia local.
Ana considerava Santo uma pessoa muito forte e que tinha um grande poder de persuasão. Ela explicou que ele andava com a bíblia e dentro dela havia vários panfletos sobre os movimentos para convocar para paralisações na fábrica. “Santo foi muito perseguido, mas muito querido e respeitado pelas pessoas da luta”, diz a mulher que precisou lutar para que não sumissem com o corpo do esposo quando ele foi assassinado. “Ele não morreu, ele está aqui, na voz sua, na minha e de todos aqueles que ainda acreditam na luta. Ele ainda está aqui.” Todos os anos, no dia, lugar e horário em que ele foi assassinado, um grupo de militantes e sindicalistas fazem homenagem e deixam uma mensagem com o intuito de manter viva a história e a luta do operário que se levantou contra o sistema. Atualmente, existe também o Comitê Santo Dias da Silva que preserva a memória do operário.
Clube de mães: as mulheres contra políticas econômicas durante a ditadura
Através da participação nas CEBs, Ana começou a participar do Clube de Mães, “Era um movimento iniciado pelas mulheres de classe média de São Paulo, mas no momento em que nós, as mulheres pobres, percebemos que nossas necessidades não eram priorizadas, tomamos a frente e nos organizamos para assumir a direção.”
O grupo se reunia uma vez por semana. As mulheres aprendiam a bordar, costurar e outras tarefas que, na verdade, serviam como “isca” para atraí-las para o movimento, relembra Ana. As opiniões, assuntos e sugestões eram dadas pelas próprias participantes: gravidez, prevenção, doença das crianças, creches, condições de vida em casa e no local de trabalho, divisão de tarefas, etc. Havia também serviço de orientação às famílias.
“E quando estamos juntos, como temos força!”
Por serem considerados “perigosos”, Ana recorda que ela e Santo não podiam sair sozinhos, nem andar com endereço. Não havia foto, nem registro. Eles precisavam instruir seus filhos a não falar nada sobre eles para ninguém. Para sobreviver precisavam ter essa precaução e cautela. Umas das estratégias antes de alguém entrar para o movimento, por exemplo, era fazer perguntas para ver se não era um infiltrado. Outra técnica era um abaixo assinado redondo para não saber quem foi o primeiro a assinar, que esse primeiro era o mais perseguido pelos patrões.
“O povo organizado, eles se pelam de medo, porque a gente só consegue dar uma virada quando a gente se organiza, tem consciência e enfrenta a luta.” afirma. Para Ana Dias a ditadura caiu pois o povo teve uma organização muito grande. “O trabalho daquela época era de vários grupos que se juntavam, pensavam igual e se uniam em prol da mesma causa. As pessoas têm dificuldade de dar continuidade nos trabalhos, isso é algo que precisamos mudar. E destaca o valor da educação de geração para geração. Os ensinamentos que passou para sua filha e que a mesma, está passando para suas netas, como por exemplo a importância de comprar produtos com os sem terra e fortalecer o trabalho desses movimentos.
Precisamos de organização, estudo e luta: “Jovem você vai ser o Brasil de amanhã, vai ser a mudança de amanhã”, finaliza com uma mensagem para os jovens de hoje.
* Gabriela Gomes é jornalista