Jornalista, professora e pesquisadora, Helena Martins participou da equipe de transição do governo Lula e fala sobre os desafios atuais da comunicação
[Por Euro Mascarenhas, Gabriela Gomes e Jessica Santos] Na última quinta-feira, dia 9 de março, uma entrevista com a jornalista Helena Martins abriu a temporada 2023 do programa Quintas Resistentes. Sob o comando de Euro Filho, Gabriela e Jéssica Santos, o programa tratou sobre os desafios da comunicação no novo governo Lula. O Quintas é exibido pela TV-NPC e agora ganhou mais uma versão e está disponível também em podcast.
Helena é doutora em comunicação social pela Universidade de Brasília (UNB), professora na Universidade Federal do Ceará (UFC), editora da revista Eptic (Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura), coordenadora do Telas (Laboratório de Pesquisa em Políticas, Tecnologia e Economia da Comunicação), da Liga Experimental de Comunicação, membro da organização DIRACOM (Direito à Comunicação e Democracia) e uma das jornalistas que compôs o GT de Comunicação do governo de transição. Além disso, é autora do livro “Comunicações em tempos de crise”, publicado pela editora Expressão Popular.
Helena iniciou falando sobre a sua participação na equipe de transição do governo Lula. Segundo ela, foram dois meses de muito estudo e avaliação sobre qual caminho deveria ser seguido no novo planejamento, as dificuldades enfrentadas durante o governo Bolsonaro e os desafios que isso trouxe. Ela lembra que durante o governo Bolsonaro não houve uma política pública de conexão e nem no período da pandemia existiu um olhar dedicado à questão da internet para conexão de escolas, mas sim um descompromisso nessa área.
Para a jornalista, além da manutenção de um perfil burocrático do ministério da comunicação no último governo, o Brasil também ficou de fora da discussão sobre um marco legal sobre a internet. “Enquanto o mundo ficou discutindo internet, regulação de plataformas e enfrentamento à desinformação, a gente teve um governo que praticou a desinformação. Um governo que ficou alheio ao grande debate que está em curso hoje sobre internet”, afirmou.
Direito humano à comunicação
Uma das principais bandeiras de Helena é a luta por políticas que garantam o direito humano à comunicação. No entanto, a percepção de que o tema é um direito vital para o desenvolvimento democrático nem sempre é latente para grande parte da população. “Isso, para mim, se dá pelo fato de o setor da comunicação ser pensado distante da população. Nós só tivemos uma conferência para debater comunicação”, comenta.
Para ela, não é possível intervir na realidade se não formos capazes de fazer circular nossas ideias. “O direito à comunicação é uma perspectiva que promove o direito a falar, a ser ouvido, a fazer circular as suas opiniões e visões de mundo”. E destaca ainda a falta de participação da esquerda na área da comunicação, um setor que, segundo ela, ainda não é priorizado pela esquerda brasileira: “Não é visto de uma forma estratégica (…) a gente percebe essa dificuldade quando quem luta pela comunicação está ainda muito sozinho nos debates da esquerda”, afirma.
A professora reconhece a existência de outras pautas urgentes, como a fome, por exemplo, mas lembra que a comunicação é transversal. Para resolver a fome, precisamos resolver o problema da comunicação que, por sua vez, vai ajudar e alavancar os outros setores.
Em relação à radiodifusão, Helena acredita que existe ainda uma preocupação com o fato de que, independentemente da internet, precisamos investir em políticas direcionadas à radiodifusão. Há uma ausência de políticas para radiodifusão comunitária e todo o setor de rádio comunitária ficou abandonado durante o governo Bolsonaro.
As fake news e as diversas formas de desinformação da população
Helena falou ainda sobre a crescente transformação da internet e como a desinformação aparece como um problema real de diversas formas. A grande mídia ou a mídia tradicional, por exemplo, tenta se colocar como grande portadora da verdade, porém eles também mentem: “porque essa mesma mídia tradicional, historicamente, também distorce fatos, também mente, também criminaliza. Então a resposta que nós da esquerda temos que dar a esses dois problemas é um outro caminho de mais diversidade na mídia, um caminho de que os de baixo consigam falar e fazer suas informações circularem.”, afirma. Em relação a essa colocação, a entrevistada chama atenção para o fato de que a mudança nas comunicações fragiliza o modelo de negócio dos sistemas tradicionais e dispersa a audiência. Assim se tem uma briga por audiência e, portanto, um ataque real da extrema direita aos meios de comunicação.
Temos, no Brasil, uma mídia tradicional que se coloca como dona da verdade e trabalhar para fazer as pessoas acreditarem que tudo que se veicula ali tem credibilidade. Ao mesmo tempo, esta mesma mídia tradicional se vê ameaçada pelos ataques de grupos da extrema direita e se empenha em uma disputa para retomar a posição que foram perdendo ao longo desses anos. Nesse cenário, a esquerda precisa se posicionar, apresentar outro caminho e não deixar isso na mão dos grupos tradicionais da mídia. O caminho que precisamos seguir, aponta Helena, é, portanto, muito mais complexo e que não basta direcionar para grupos e dizer o que é verdadeiro e o que é falso.