[Por Gabriela Gomes*] Em 8 de março comemora-se no mundo inteiro o Dia Internacional da Mulher para nos lembrarmos de nossa luta e da resistência que ainda enfrentamos, e sobretudo de que precisamos nos unir ainda mais para garantir nossos espaços, em busca de melhores condições de vida e trabalho. Neste dia 10 de março de 2022, foi a reestreia do programa Quintas Resistentes e recebemos Iêda Leal, uma representante preta para falar sobre o Movimento Negro Unificado, o MNU; as lutas das mulheres negras; a questão da educação; entre outros pontos. 

Ieda Leal é graduada em pedagogia pela PUC Goiás, especialista em métodos técnicos de ensino pela universidade Salgado de Oliveira, ativista do movimento negro e do movimento sindical. Atualmente também é secretária de combate ao racismo da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e secretária de comunicação da CUT-GO; além de conselheira do Conselho Estadual de Educação de Goiás (CEE-GO) e coordenadora do Centro de Referência Negra Lélia González.

Lélia Gonzalez vive

Ieda lembrou de  Lélia Gonzalez como sendo uma de suas grandes referências e compartilhou um pouco sobre a vida e o pensamento dessa intelectual, que foi professora universitária, antropóloga e militante do MNU: “Ela prestou um serviço para nós mulheres negras, falando de nós na América, no Caribe e em outros continentes”.

Segundo a pedagoga, assim como Angela Davis, Lélia enfatizou a importância da organização das mulheres negras e “escancarou” as portas da universidade ao dizer que estava faltando as mulheres pretas naqueles espaços, organizou os momentos de resistência nas ruas, criticou com outras mulheres a política de esquerda branca quando não incluía os pretos em seus quadros e o combate ao racismo em sua pauta. “Ela organizou a história do Brasil para dizer: cada mulher neste país tem um significado de resistência. Estas mulheres que produzem, que asseguram o legado da cultura, que guarda o seu modo de falar, de ser”, declara sobre a antropóloga.

Assim como Lélia, Ieda acredita que a organização é o melhor caminho para a população negra. A classe dominante tira a moradia, saúde e educação pois sabem que promovendo essa desorganização, eles têm mais êxito em seus projetos de excluir os pretos da sociedade.

“Essa Ieda da militância vem um pouco da família”

Em sua trajetória no MNU, Ieda recorda que entrou na universidade com 19 anos e conheceu a professora Silvany Euclênio, que a convidou para fazer parte do movimento. Porém, já participava do movimento estudantil. Sempre discutiu os movimentos sociais mas não se aprofundou nas questões.

Natural de Minas Gerais, recebeu bastante apoio do pai através do incentivo do esporte, arte, música e literatura. A mãe foi cantora e ganhou prêmios locais. “As músicas refletem o que é o Brasil, e isso foi para ele me ensinar que nem tudo era como eu gostaria que fosse”, conta Ieda, lembrando que o pai lhe ensinava sobre a questão do racismo. Uma família negra de periferia que se organizava para resistir, para comer, para ter roupa.

Ieda recorda também o dia marcante em sua vida, quando a mãe os levou para passear, logo após conseguir a carteira da autoescola, a qual, para conseguir pagar, ela economizava indo à feira no horário de xepa: “Era uma mulher dirigindo um carro, é poder absoluto para mim”, conta. Outro momento importante foi quando se formou. Recorda de que queria participar da colação por ser mais uma mulher negra “pegando o canudo” e a representatividade que isso trouxe: “Me lembro no dia que peguei o meu diploma e disse para o meu pai: —“Esse diploma é nosso, vou dar uma cacetada nesses racistas!”.

Entrou para faculdade solicitando um espaço para que se organizasse um grupo de resistência urbana. Tinha como objetivo concluir os estudos, ir para o movimento estudantil, questionar os colegas sobre as questões raciais na universidade e fazer com que todos os departamentos da universidade discutissem o combate ao racismo.

Outras de suas influências durante esse período foram Benedita da Silva, João Batista e Hélio Santos, pessoas que Ieda teve o prazer de conhecer e com quem se sentiu parte da luta. “Tive a certeza que havia encontrado mais uma razão pra viver”, diz. Foi assim então que, segundo ela, nasceu Ieda Leal, militante há mais de 30 anos no MNU.

Educação é uma ferramenta de combate ao racismo

A pedagoga também falou sobre a questão da visibilidade, a representatividade negra nas eleições e a relevância do SUS. Como professora, Ieda lembrou a importância da lei que obriga o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas. Uma lei que foi criada para modificar o comportamento da sociedade brasileira e manifestar que o racismo se combate através de uma legislação séria. Ieda faz questão de ensinar a seus alunos: “Os negros deste mundo são descendentes direto das pessoas que começaram a povoar o mundo. A criança tem que ter essa informação. Ela precisa saber que o Egito foi uma nação organizada.”

Para Ieda, as cotas raciais e sociais são uma das políticas de reparação, já que é uma maneira de inserir a população negra nas universidades públicas e em cargos públicos e assim diminuir as desigualdades sociais. Ser contra as cotas é ser racista:  “‘Cota não é esmola’ é a garantia que nós vamos estar iniciando um processo de reparação para o povo negro”, conclui, parafraseando a cantora Bia Ferreira.

*Gabriela Gomes é jornalista.

Revisão: Moisés Ramalho