O Quintas Resistentes
teve o prazer de receber a presidente do Movimento Negro Unificado no Espírito
Santo, Vanda de Souza. E já no início do programa, fez questão de frisar a sua
ligação com o Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC):
— “Eu e Claudia nos conhecemos há 30 anos, o NPC é também um velho conhecido!”
Para a professora de filosofia, conversar com o programa foi também uma oportunidade de relembrar o início de sua militância no Rio de Janeiro. “Mesmo não estando formalmente morando no Rio de Janeiro há 17 anos, eu não perdi o contato com as pessoas, a minha militância começa no Rio de Janeiro, no movimento popular”.
Ao longo do tempo, Vanda acumulou uma experiência diversa em sua militância, que vai desde a Associação de Mães de Honório Gurgel, bairro da Zona Norte do Rio, passando por movimento sindical e trabalhadores rurais até chegar ao MNU. Uma experiência que lhe rendeu a oportunidade de atuar com grandes figuras da política.
As origens da resistência negra
Vanda faz questão de pontuar que, mesmo antes do período da ditadura militar no Brasil, há um retrospecto de luta contra o racismo no país. “Ela começa ainda no período da escravização, com greves de escravizados, de que ninguém fala. Você tem que ler o Flávio Gomes para poder saber. A Frente Negra com o Teatro do Oprimido, que fazia um trabalho muito forte de alfabetização com mulheres e trabalhadores”.
Outro destaque que Vanda aborda é a presença de uma imprensa negra alternativa, que já existia e cumpria um papel preponderante na resistência: “É importantíssimo a gente falar isso, que sempre houve uma imprensa negra alternativa neste país, denunciando tudo o que os negros vivenciavam”.
A via cultural como forma de resistência é também lembrada. Vanda fala dos blocos afros da Bahia, enquanto no Rio Grande do Sul, Oliveira da Silveira luta pela criação do Dia da Consciência Negra. “De 1971 até chegarmos à escadaria do Teatro Municipal, tivemos vários movimentos de resistência e de denúncia. E isso vai gerar, em 1978, a criação do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, o nome era super comprido”, afirma.
O que sempre acompanhou a trajetória do movimento é a denúncia de como negros e negras são tratados no Brasil. Apesar de todo o caldo de cultura que culminou na criação do MNU, dois fatos foram cruciais para que o grupo viesse a existir, conforme conta: “Primeiro, o impedimento de três meninos no Clube de Regatas Tietê, que não poderiam entrar para jogar futebol. E, segundo, quando um feirante é acusado de ter roubado uma pessoa, levado para um distrito policial, torturado e assassinado dentro de uma delegacia de polícia”, declara Vanda.
Ao contar o último caso a entrevistada provoca:
— “Tem algo novo nisso? Não tem!”
E continua Vanda: “Porque, de lá para cá, são inúmeros os casos em que mulheres são arrastadas nas ruas, que jovens são assassinados dentro de casa, como no morro do Salgueiro, que crianças são colocadas sozinhas no elevador por uma sinhazinha”.
Tais casos no decorrer da história só reforçam a principal missão do Movimento Negro Unificado, que é o combate ao racismo e à violência sofrida pelo povo negro, principalmente aquela cometida por agentes do Estado.
A atualidade do MNU
Vanda destacou cinco pontos que revelam não só os avanços que aconteceram nos últimos anos, mas também apontam a atualidade das bandeiras do Movimento Negro Unificado, como por exemplo, a insistência nas denúncias contra a violência policial. “Existe uma coisa articulada; por isso, a gente fala que é uma política genocida. Você conta com a violência policial, você conta com o tratamento diferenciado nas unidades de saúde e nos hospitais, você tem as doenças que acometem mais a população negra”, comenta Vanda.
A questão educacional é outra frente de batalha que ainda carece de avanços. Apesar de o Brasil ter uma lei que desde 2003 obriga o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas, isto ainda não é uma realidade nas instituições de ensino. “A lei não é trabalhada porque as pessoas não têm formação suficiente, mas sim é porque muitos não querem trabalhar. Dá trabalho sair desse lugar comum”, afirma Vanda.
A professora coloca a inclusão da história negra brasileira no currículo escolar como uma forma de emancipação de meninos e meninas. “Incluir a nossa participação significa que esse menino não vai mais aceitar ser culpado, e ser sempre levado para a coordenação, quando acontece um problema dentro da sala de aula”.
Vanda celebra a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, que demorou 20 anos para ser aprovado, contando o período desde a sua concepção. Ainda assim, ela comenta que o documento foi bastante fatiado para ficar mais “palatável para os olhos dos não-negros”. Já nos anos 2000 entra em cena a aplicação das políticas de promoção da igualdade, que começam com o reconhecimento em 1995 de que o Brasil é um país racista.
Tais políticas implementadas representam também o resultado de uma mudança que houve no processo de resistência do MNU. “Ele não é mais um processo de resistência de denúncia, ele é um processo de resistência que se dá pela legislação”, pontua Vanda.