Em Campinas, a lei que dá à prefeitura o poder de autorizar a operação das emissoras foi sancionada, mas não entrou em vigor. Por Debora de Almeida Nogueira, estudante de jornalismo da PUC – Campinas, março de 2005.
Em Campinas existem 98 rádios comunitárias, segundo dados da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço). Dessas, apenas duas têm autorização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para operar: uma no Jardim Cristina, na região sudoeste da cidade, e outra no bairro São Bernardo, na região sul. De acordo com a Lei Federal 9.612/98, para ter caráter comunitário uma rádio precisa operar com Freqüência Modulada (FM), de baixa potência (máximo 25 watts), cobertura restrita e ser vinculada a associações comunitárias sem fins lucrativos.
As 96 rádios comunitárias de Campinas que operam sem autorização da Anatel enfrentam mitos como o de serem responsáveis por quedas de aviões ou de interferirem no funcionamento de aparelhos dos hospitais. A resistência que essas pequenas emissoras enfrentam de grupos como a Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert), dificulta a regularização das comunitárias.
Mas não é só isso. A maioria dessas emissoras não consegue a outorga do Ministério das Comunicações ou por não se enquadrarem na lei ou pela estreiteza da própria legislação. É praticamente impossível que uma rádio comunitária possa cobrir a abrangência de uma região como o complexo do parque Oziel (Oziel/ Monte Cristo e Gleba B, onde moram cerca de 29 mil pessoas), por exemplo, com apenas 25 watts de potência. Essas rádios também precisam de receita para se sustentar, manter equipamentos, sede, pagar energia, telefone, adquirir CD`s etc.
Por isso, muitas vezes não conseguem cumprir o compromisso de viverem sem comerciais. O presidente estadual da Abraço, Jerry de Oliveira, afirma que a dificuldade das emissoras comunitárias de conseguirem autorização da Anatel para operar tem caráter político. “Temos que avaliar como se dá o processo de concessões no Ministério das Comunicações. É um critério estritamente fisiológico e político. Não existe um procedimento igual para todas as rádios. As emissoras que têm apoio de deputados da base de sustentação do governo normalmente têm também a preferência na hora de conseguir a concessão”, acusa Oliveira.
No caso do parque Oziel, a rádio Eloy, que opera sem autorização da Anatel, é uma das 70 emissoras de Campinas filiadas a Abraço. “Nós estamos no mesmo caminho das outras rádios comunitárias da cidade, procurando conseguir uma autorização para operar. Estamos numa luta em defesa da legalização das rádios comunitárias. Na verdade há um monopólio das grandes empresas de comunicação por trás disso. Eles não têm interesse em ver as rádios comunitárias funcionando”, afirma o coordenador de programação da rádio Eloy, João Xavier.
A Eloy tem uma programação voltada para utilidade pública e caráter comunitário. “Nosso objetivo é ser um meio de comunicação da comunidade, para dar voz para quem não tem espaço na imprensa. Temos o papel de divulgar assuntos de interesse do bairro, de reuniões, de questões relacionadas à saúde, educação. É um meio de comunicação da comunidade”, explica Xavier. “Para ser comunitária a rádio tem que ser do povo e estar aberta a todos que quiserem se expressar nela”, completa Jerry de Oliveira.
Lei
Uma das maiores contestações da Abraço é quanto a forma como a Anatel age no lacre das rádios comunitárias que não possuem autorização. O órgão do Ministério das Comunicações normalmente atua com o auxílio da Polícia Federal e quando descobre uma emissora sem concessão apreende o transmissor e autua o responsável.
A lei 9.472/97 que criou a Anatel designava à agência o poder de realizar busca e apreensão de bens no âmbito de sua competência. No mesmo ano, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio, julgou negativamente a apreensão feita pela Anatel. “A apreensão prévia fere a garantia de que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal, direito garantido pela Constituição Federal”. Ou seja, a Anatel não tem poder de polícia e não está autorizada a apreender equipamentos ou prender os responsáveis por rádios comunitárias.
O juiz e professor Paulo Fernando Silveira também comenta a ação da agência em seu livro “Rádios Comunitárias”. “A Anatel não desfruta por sua própria natureza do poder de polícia”. Vale lembrar ainda que a “lacração” de rádios comunitárias que operam sem autorização da Anatel não está prevista na lei 9.612/98 e nem mesmo no Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4117/62). No ano 2000, a Anatel fechou 2.569 rádios comunitárias no Brasil. Além do mito de que essas emissoras podem derrubar aviões, o Governo Federal argumenta que o “espectro eletromagnético” é finito.
Na página inicial do site da Abert um pop-up salta na tela. Com o título “Denuncie a radiodifusão ilegal”, o informe prossegue dissemina diversos mitos. “Muitas emissoras de rádio que se dizem “comunitárias” ou “livres” são na verdade ilegais. Ilegais, porque ocupam as ondas do rádio sem autorização do poder concedente – o governo federal -, sem pagar impostos e sem condições técnicas adequadas.
Por transmitirem na freqüência que bem entendem, essas emissoras interferem não apenas no sinal das rádios e televisões comerciais, mas também em serviços essenciais, como a comunicação aeronáutica e a comunicação entre viaturas da polícia, ambulâncias e corpo de bombeiros.” O mito sobre a fiscalização e punição da Anatel é também difundido no informe. “O espectro de radiofreqüências é um bem público escasso, que deve ser ocupado de forma organizada de acordo com a determinação do governo. O órgão responsável por fiscalizar o uso do espe
ctro e punir as emissões ilegais é a Anatel, a Agência Nacional de Telecomunicações”.
Caráter democrático
Além da programação voltada aos interesses da comunidade, grande parte das rádios comunitárias dá voz aos ouvintes e abre um espaço democrático para os vários grupos do bairro onde está instalada. “A importância da rádio comunitária integrada à região é a valorização da cultura, a valorização da auto-estima da comunidade. Essa emissora deve surgir da necessidade de organização da comunidade e da pluralidade de opiniões”, explica Jerry de Oliveira. Desde que haja espaço na programação, as rádios com função de unir a comunidade abrem as portas da programação. “Tem uma parte de atividade cultural, onde entra o pessoal do rap, os meninos do samba. A rádio Eloy abrange todas as camadas. Desde que haja espaço livre, qualquer morador do Complexo Oziel pode ter um programa na rádio”, afirma João Xavier. Em outras palavras, o cidadão toma posse do microfone e participa das decisões em um espaço aberto e democrático.
Em 1997, uma reportagem da Gazeta Mercantil sobre rádios comunitárias ilustra o caráter das rádios comunitárias. “Uma emissora comunitária tem como característica principal o fato de operar em via de duas mãos: ela não apenas fala como ouve, principalmente, assegurando, assim, à comunidade o direito de se fazer ouvir, em seus reclamos e em suas manifestações culturais e artísticas de natureza local”.
Lázaro José Fogaça, dono do mercado Fogaça, no Jardim Monte Cristo, deixa o som ligado o dia inteiro. Quem passa pelo mercado ouve sempre a rádio Eloy. Ele chegou a anunciar durante a programação o nome do seu mercado, por R$ 50,00/ mensais. Segundo ele, ouve uma mudança na programação, que não o deixou satisfeito. Os interesses dele eram garantidos quando a rádio tinha uma programação evangélica. “Eu não estou muito satisfeito com a Eloy porque não anda atendendo meus interesses. Agora não tem mais tanta programação evangélica.” Apesar de não estar satisfeito com a programação e ter retirado o apoio porque não ouviu o locutor anunciar seu negócio, Fogaça concorda que a rádio movimenta o bairro. “Aqui o pessoal ouve bem porque tem notícias do bairro. É a única rádio do Oziel.” Fogaça afirma ainda que por causa disso, mais pra frente vai voltar a anunciar.
Concessão
Atualmente, as concessões de rádios comunitárias são autorizadas pelo Congresso Nacional, depois de análise do Ministério das Comunicações. As entidades interessadas em obter autorização para operar uma rádio comunitária devem apresentar um requerimento ao Ministério das Comunicações. Nesse mesmo pedido deve ser demonstrado o interesse, indicando a área onde pretendem prestar o serviço e solicitar a designação de canal para funcionamento. Por precisar desse pedido formal enviado à Brasília, muitas rádios comunitárias acabam permanecendo irregulares até por inércia. Além das concessões serem usadas muitas vezes como moeda de troca no jogo político, e a lei não regulamentar algo na prática, mas forçar que a prática se enquadre à lei, as rádios deixam de buscar a regulamentação, também, pela limitação de entrar com um pedido de autorização na Anatel.
O Artigo 223 da Constituição Federal estipula os limites para as concessões públicas. “Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização do serviço de radiodifusão sonora, observando o princípio de complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”. Mas em Campinas, um movimento liderado pela Abraço, tenta fazer valer uma lei que prevê a municipalização das concessões de rádios comunitárias. A outorga seria concedida por um conselho municipal de comunicação. O Projeto de Lei foi assinado pelos vereadores do PT, Ângelo Barreto, Maria José da Cunha, Gilberto Rodrigues e Paulo Búfalo, além de Sergio Benassi, do PCdoB. O projeto foi aprovado pela Câmara de Vereadores e sancionado pela então prefeita Izalene Tiene em julho de 2004. A partir do projeto, as outorgas de rádios comunitárias seriam cedidas a partir de um parecer de um futuro Conselho de Comunicação que ainda seria criado. O conselho seria formado por pessoas da área, e a concessão permitida após estudo de cada caso.
Uma ação judicial, impetrada pela Abert e Associação das Emisoras de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo (AESP), suspendeu os efeitos da lei antes mesmo dela começar a valer. A lei começaria a valer em novembro de 2004. A representação de Rodrigo Neves foi apresentada dez dias antes da regulamentação da lei no Ministério Público Estadual. A ação pedia a suspensão dos efeitos da lei municipal, alegando inconstitucionalidade. O recurso foi julgado e suspendeu os efeitos da lei. Até o fechamento desta edição a prefeitura estudava recorrer da decisão.
Municipalizar para Democratizar?
Na discussão sobre a municipalização das concessões de rádios comunitárias cabe o debate se a municipalização tornaria a comunicação comunitária mais democrática. Para um dos autores do projeto de lei municipal, vereador Paulo Búfalo, a municipalização facilitaria que a concessão fosse dada com base no caráter comunitário da rádio. “Para o município não custaria nada e traria serviço de utilidade pública para áreas carentes, como eventos culturais, informar sobre vagas em creches”. Sobre a possibilidade de proselitismo religioso, como acontece em algumas rádios, Paulo Búfalo afirma que falar de religião também demonstra o interesse de uma parte da comunidade. “A rádio comunitária até pode estar aberta para o proselitismo religioso, mas desde que o microfone esteja aberto para outras coisas. Aberto para várias manifestações”.
Como afirmado nesta matéria, alguns acham a municipalização bem contrária À democracia. Para alguns a lei é inconstitucional. Democrática ou não, Paulo Búfalo reforça a importância da comunicação comunitária. “A rádio comunitária é importante porque traz serviços de utilidade pública, informação mais isenta para a comunidade, maior quantidade de informação sobre a região e por causa do caráter cultural comunitário”. Agora, é esperar para ver. Em algumas cidade
s como Belo Horizonte e Uberlândia, as concessões de rádios comunitárias foram municipalizadas.
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Fonte: Portal Imprensa