[Por Rosângela Ribeiro Gil/NPC] A segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o negociado vale sobre o legislado em julgamento, em 9 de dezembro último. A decisão precisa acender a “luz de alerta” do movimento sindical, afirma o diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho. “Isso pode significar a extensão desse entendimento para todos os trabalhadores. Podemos ver daqui a pouco o Supremo propondo súmula para que tal situação se aplique em todos os casos”, alerta.
Em 13 de setembro, o ministro Teori Zavascki reformou acórdão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que havia derrubado acordo coletivo firmado entre sindicato de trabalhadores rurais e um empresa no Paraná. O acordo excluía o pagamento das horas extras referentes ao deslocamento do empregado de sua residência ao trabalho e vice e versa. Esse pagamento está previsto no artigo 58 da CLT.
Para o TST, o não pagamento dessas horas significava ir contra a constituição federal e feria a proteção ao trabalho.
A intervenção do STF mudando o que havia decidido o Tribunal do Trabalho trasforma o órgão em legislador, diz Toninho. “O Judiciário, no caso o STF, está legislando; e quem tem esse poder é o Legislativo”, argumenta. Para ele, neste momento, quem mais está fazendo a tão propalada “reforma trabalhista”, sem debate e sem a participação do movimento sindical, é o STF, “e da pior forma possível”.
É a segunda decisão colegiada proferida pelo STF em relação à prevalência do negociado sobre o legislado. A primeira foi em 2015, em um caso com o Banco do Estado de Santa Catarina.
Com essas decisões do STF, as convenções coletivas, entre patrões e empregados, passam a ter força de lei. “Nesses dois julgamentos, o Supremo determinou que o acordo coletivo firmado entre o sindicato e a empresa prevaleça sobre a legislação da CLT”, diz o diretor do Diap.
Sonho empresarial: acabar com a CLT
No IV Curso de Formação Sindical da Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados (CNTU), realizado em setembro último, o advogado Antonio Renan Arrais assinalou que o mais nocivo para as relações de trabalho é a quebra da prevalência do legislado sobre o negociado. “Esse é grande sonho das empresas, fazer com que a CLT desapareça”, disse na ocasião.
Entre as alterações que o empresariado defende para as regras trabalhistas, Arrais destacou a possibilidade fatiar as férias sem limite. Isso serviria para que emendas de feriados, por exemplo, fossem descontadas dos 30 dias aos quais o empregado tem direito. No limite, o descanso anual seria suficientemente fatiado para que não fosse necessário manter o 1/12 a mais no quadro para cobrir as ausências por um período mais longo, resultando em aumento do desemprego.
Entra ainda no cardápio a diluição do 13º salário ao longo do ano e o fim dos 40% de multa em caso de dispensa imotivada – regra que segue sendo provisória à espera de lei complementar que a regulamente. Deseja-se também alterar o Artigo 468 da CLT, que estabelece o princípio da hipossuficiência do trabalhador, portanto protegendo-o em caso de disputa. A medida, advertiu o advogado, traz o esvaziamento da Justiça do Trabalho.
“Num País em que não se tem organização no local de trabalho ou estabilidade para o dirigente sindical e pode haver demissão imotivada de 100 trabalhadores, a correlação de forças é totalmente favorável ao empresariado e serão feitos acordos na bacia das almas”, enfatizou Antonio Renan Arrais.