Por Camila Araújo (NPC)
No primeiro dia do 21º Curso Anual do NPC, a segunda rodada de palestras ocorreu com a Roda Viva sobre política e economia no mundo hoje. Participaram da conversa, o advogado Eloá dos Santos Cruz, o sociólogo e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Ricardo Antunes e Luiz Pinguelli Rosa, diretor do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Eloá começou contando o que viu do processo de privatização da estatal Vale do Rio Doce, onde ele trabalhou de setembro de 1987 até maio de 1995, ocupando funções executivas na área jurídica. Enquanto esteve lá, ele presenciou diversos procedimentos criminosos, como sonegação de impostos e subavaliação de bens. “Lendo o edital de licitação da venda da Vale do Rio Doce, eu identifiquei dez ilícitos civis, penais e administrativos. Entrei com uma ação exigindo explicações e interrupção do procedimento. Hoje o processo está nas mãos de Gilmar Mendes, que mandou paralisar todas as 102 ações populares contra a privatização da Vale”, revela.
Na época, várias dessas ações foram arquivadas, sob o pretexto de que ‘a Vale estava vendida e não havia o que fazer’. “Não há respeito por nós, o povo, os donos do poder. Na Constituição se diz que o poder emana do povo e que este o exerce através de representantes eleitos. Eles deveriam exercer o poder em nosso nome. Um abuso! Nas mutretas da história política brasileira, a gente vê entre uma privatização e outra, um processo de precarização em que o povo brasileiro, o povo assalariado que paga impostos, é quem sofre e é prejudicado”, protesta o advogado.
Segundo o professor Ricardo Antunes, essa precarização é fruto do próprio sistema econômico. “Estamos na fase mais destrutiva do capitalismo. Nem na Crise de 1929 – que não vivemos, mas conhecemos – nós presenciamos algo parecido com o que estamos vivendo hoje. A destruição da força de trabalho é em escala global. Há um processo de precarização, informalização, terceirização, que atinge praticamente todos os países do mundo. Há uma lógica destrutiva e brutal em relação à natureza. O exemplo de Mariana é espetacularmente trágico. Milhões de dejetos arruinaram o Rio Doce. Essa é a lógica do sistema porque ele só se reproduz destruindo”, atesta o sociólogo.
Se no resto do mundo a crise chegou em 2008, para Antunes, ela chega ao Brasil em 2013, quando o povo brasileiro viu de perto os interesses dos ricos tendo apoio do governo. “Não há recursos para a Previdência, para a educação, para o transporte, para a saúde, mas tem para a Copa das Confederações, Copa do mundo, Olimpíadas. As manifestações eclodiram e tivemos uma explosão policlassista. Houve uma ofensiva conservadora a partir daí, a direita puxou parte da juventude e fez politização ao seu modo. A esquerda não soube se organizar pela base para resistir.” Ele lança o desafio: “a esquerda precisa estar mais vinculada com as lutas cotidianas do povo. Temos que unir, sem hierarquia, movimentos sociais, partidos e sindicatos para pensar um novo projeto social e convencer a classe trabalhadora à aderir à luta”, enfatiza.
Crise de governo
Luiz Pinguelli Rosa (COPPE/UFRJ) deu continuidade à discussão e fez uma breve análise da falta de credibilidade política do governo. Ele compara a atual crise do PT com o que ocorreu no golpe civil militar de 1964, quando os militares expulsaram João Goulart em nome da luta contra o comunismo e a corrupção. “Quando o grupo hegemônico e liberal não está no poder, logo se arruma um jeito de tirar quem nele estiver. Isso aconteceu com Jango e, agora, com Dilma”, analisa o professor.
Para ele, a mídia não é neutra na hora de divulgar as informações e favorece a um grupo da elite política do Brasil. “Qual é a culpa do Lula e da Dilma nesse processo da Petrobras, por exemplo? Eu acredito que não existe essa ‘culpa’ difundida pela mídia (que é corrupta na divulgação desses fatos). É a corrupção de pessoas que não tem o pedigree desejado, que não fala duas linguas, que não faz parte de nicho nenhum. Para as sujeiras do PSDB ninguém dá destaque nos jornais”, avalia.
Contudo, Pinguelli não descarta os problemas e reconhece que há erros políticos. “Imaginamos que aconteceriam muito mais avanços sociais, mas não aconteceu. O que se tem é o enfraquecimento do governo e dos próprios valores da esquerda, que precisa construir uma unidade. Não há uma proposta clara. A nossa sorte é que a direita também não tem” – e acrescenta – “querem manter o governo contra a parede, tolhido. Não é que o Brasil não está ganhando dinheiro, ele está (tanto que vem capital externo para cá comprar títulos do governo). Grande parte do orçamento público brasileiro vai para o sistema financeiro, que é alimentado pelos juros altos que o governo se propõe a pagar. Mas estão criando uma economia de faz de conta, porque ganham sem produzir”, conclui.