Por Débora Prado, da Agência Patrícia Galvão
Aproveitando o espaço reservado pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal para a audiência pública que discutiu o projeto de lei da mídia democrática, o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social promoveu um seminário internacional nesta sexta-feira (21) para debater a concentração nos meios de comunicação e o déficit democrático que ela representa.
A primeira mesa reuniu os especialistas norte-americano Mark N. Cooper, diretor de pesquisa na Federação dos Consumidores dos Estados Unidos (Consumer Federation of America), e o argentino Martin Becerra, da Universidade de Quilmes, para traçar um panorama da concentração dos meios no continente americano.
Os palestrantes lembraram que a falta de regulamentação da mídia é um déficit histórico em toda América Latina. Destacaram ainda que a correção desse problema por meio de leis que democratizem a propriedade dos meios de comunicação, por si só, não resolverá o problema da baixa qualidade e diversidade de conteúdos.
Citando a organização dos meios de comunicação nos Estados Unidos, alvo de suas pesquisas, Cooper ressaltou que – mesmo que sejam impedidos os monopólios e oligopólios no ramo, “a mídia comercial nunca vai ter a qualidade de mídia que a população de um País precisa”.
Para ele, nesse cenário, é preciso investir em duas outras frentes. Uma delas é fortalecer e estimular o jornalismo independente, que conte com outras fontes de financiamento, como crowdfunding (modo de financiamento coletivo, em que interessados na iniciativa doam capital para que ela se realize).
Também que os meios comerciais sejam obrigados a produzir ou reproduzir uma parcela de notícias de interesse público. “É preciso fortalecer a mídia pública nos países. Mas, mesmo que se tenha uma mídia pública bem estruturada e de qualidade, sua audiência não será muito grande. Então, é preciso aproveitar o espaço da mídia comercial, esses meios já têm um publico cativo que precisa ser alcançado”, frisou.
O professor argentino Martin Becerra, por sua vez, lembrou que os países latinos que promulgaram recentemente suas leis de mídia buscando enfrentar o déficit de regulamentação – como a Venezuela, Argentina, Equador e Uruguai – conquistaram avanços, mas não resolveram a questão. “As leis ligam a concentração dos meios de comunicação com o número reduzido de proprietários desses meios, pressupondo que essa quantidade pequena leva à escassez de conteúdos. De fato, há um nível muito alto de concentração dos meios de comunicação na América Latina se comparado ao resto do mundo e isso precisa ser corrigido. Mas é preciso lembrar que, além da propriedade, há também a concentração de audiência”, contextualiza.
Buscando uma efetiva democratização dos meios de comunicação, para Becerra, é preciso relacionar propriedade e concentração de audiência, olhando ainda para a convergência nos meios de comunicação, além de fomentar a produção independente. “Uma rede de televisão que já concentre a maior parte da audiência, por exemplo, não deveria poder abrir um rádio ou um jornal, sem abrir mão de uma parcela da audiência televisiva”, exemplifica.
Convergência e propriedade cruzada
Diante do fato que o Brasil ainda não possui sua lei de mídia democrática, oligopólios históricos nos meios de comunicação nacional têm promovido um crescimento interno e externo, aumentando ainda mais sua concentração de mercado – e, por conseqüência, a baixa pluralidade e diversidade de conteúdos.
O problema da concentração – no contexto da convergência nos meios de comunicação (ou seja, a possibilidade de uma única infraestrutura entregar diversos serviços de mídia) e da propriedade cruzada (quando um empresário ou família é proprietário de mais de um tipo de veículo de comunicação, como jornal, TV, rádio, etc) – foi foco do segundo debate do seminário, que reuniu a advogada Ana Carolina Lopes de Carvalho, do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e o advogado Bráulio Araújo, do Intervozes e membro do Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação.
Ao contrário de diversos países, não há, no Brasil, instrumentos que impeçam a propriedade cruzada de meios de comunicação, e, nesse cenário, resta, muitas vezes, recorrer à denúncia ao CADE para evitar abusos graves.
No ano passado, por exemplo, a Infoglobo Comunicações S.A – empresa proprietária dos jornais O Globo, Extra e Expresso da Informação, além de parte do Valor Econômico – foi obrigada a fechar um acordo com o Cade para evitar uma condenação por concorrência desleal, a partir de uma denúncia realizada pelo Jornal do Brasil e O Dia.
A atuação do órgão, entretanto, ainda é limitada a casos individuais e não resolve, nem diminui a concentração estrutural existente. Ainda assim, a representante do CADE lembrou que organizações da sociedade civil e mesmo pessoas físicas podem realizar uma denúncia junto ao Conselho.
O advogado do Intervozes, Bráulio Araújo, reforçou que, neste cenário, é premente a necessidade de que o CADE estabeleça parâmetros de concentração específicos para os meios de comunicação e de acordo com a complexidade do setor. Atualmente, o órgão não prevê a atuação em cadeias verticalizadas nas suas análises, que costumam ser feitas focando sempre um mesmo mercado (concorrência entre jornais, por exemplo), sem considerar as propriedades cruzadas. Destacou, ainda, que, no setor, não apenas a possibilidade de livre concorrência precisa ser considerada nas avaliações do Conselho, como também a promoção da pluralidade, conforme previsto nos artigos da Constituição brasileira sobre o tema, que jamais foram regulamentados e implementados.