Trabalhadores sem-terra de Campos dos Goytacazes, no norte do Estado do Rio de Janeiro, sofrem com perseguições, ameaças de seqüestros e até assassinatos. Polícias Militar e Federal, fazendeiros, empresas de agronegócios, o Judiciário e a omissão por parte do Executivo municipal e estadual transformam a vida de dezenas de famílias humildes e organizadas em um pesadelo. Enquanto a polícia e a Justiça Federal agem com rigor excessivo contra ocupações produtivas de sem-terra, fazendeiros donos de empresas repletas de irregularidades contam com a boa vontade das autoridades locais e a morosidade da Justiça.
(…) Aqueles não eram dias normais, mas mesmo assim o agricultor Antônio Carlos Duarte Floriano, de 40 anos, casado e pai de cinco filhos, acordou às cinco da manhã, como faz todas as manhãs, e se dirigiu ao piquete (pequeno potreiro, onde descansam os cavalos ou vacas). A intenção de Antonio era pegar o cavalo e ir apanhar o leite para sua família. Foi aí que tudo mudou. Como havia sido pré-anunciado por criminosos ainda não identificados, Antonio desapareceria no dia 25 de janeiro e, até o fechamento desta matéria, dia 13 de fevereiro, não havia sido achado.
(…) Um dia antes, havia acontecido um despejo brutal (segundo os trabalhadores) de 44 famílias do Acampamento Oziel Alves, no Complexo Cambahyba, em Campos, coordenado pela Polícia Militar, Polícia Federal e pelos próprios fazendeiros e ex-proprietários interessados no despejo. Segundo testemunhas, 200 policiais (entre federais e militares) estavam envolvidos na ação.
INCRA diz que área é improdutiva
A superintendência regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) confirmou ainda no ano passado, por meio de nota pública datada de julho de 2005, que as fazendas “Caeta e Cedro” e “Complexo Cambahyba”, pertencentes ao conjunto de áreas que compõem a Usina Cambahyba, foram penhoradas pela União Federal, em garantia à elevada dívida tributária contraída junto ao Governo Federal.
“Considerando o descumprimento da função social das terras, a União Federal publicou em 1998 Decretos Federais de Interesse Social para Fins de Reforma Agrária, pelo que o INCRA desde então tenta ultimar a arrecadação das mesmas, visando beneficiar centenas de famílias que pretendem se reintegrar ao processo produtivo, através dessa importante política pública prevista no Estatuto da Terra – Leis Federais nº 4.505/.64 e nº 8.629/.93”, informou o comunicado assinado pelo Superintendente Regional do INCRA/RJ, Mário Lúcio Machado Melo Júnior.
Como explicou Mario, o decreto de desapropriação dos 3.400 hectares das terras data de 1998, quando o Incra constatou sua improdutividade. Além de improdutiva, há denúncias comprovadas por laudos técnicos e judiciais de crimes ambientais e o proprietário arrenda parte da área para a Usina Santa Cruz, contra a qual pesam denúncias de trabalho escravo. O Complexo está penhorado à Receita Pública federal por dívidas de mais de R$100 milhões com a União. Isso caracteriza a fazenda como passível de desapropriação para Reforma Agrária, de acordo com a própria Constituição Federal.
A desapropriação, no entanto, sofreu uma paralisia na Justiça local. Mais especificamente um ajuizamento da Ação de Rito Ordinário, processo nº 98.0304000-6, proposta pela Usina Cambahyba, junto à 2ª Vara Federal de Campos, até o momento pendente. Apesar da ação ser pela desapropriação, os juízes André Luiz, Marcelo Luzzio e Fabíola Utzig Haselof inverteram os rumos do processo e continuam a ordenar ações de despejo.
Os trabalhadores rurais residentes no local, que seriam beneficiados pelo andamento do processo a favor da reforma agrária, são contraditoriamente expulsos, perseguidos e até mesmo assassinados, como é o caso não só de Antonio Carlos, mas também Manuel dos Santos, pai de quatro filhos, assassinado brutalmente em julho de 2005. Outro ex-morador do acampamento Oziel Alves, Manuel foi assassinado no dia 4 de julho de 2005, por volta do meio dia, com um tiro a queima-roupa na cabeça. O crime gerou a nota do INCRA há pouco citada e uma maior mobilização dos órgãos federais.
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Trecho de reportagem de Gustavo Barreto, enviado a Campos dos Goytacazes, para a Rede Nacional de Jornalistas Populares (Renajorp), em fevereiro de 2006.