GETÚLIO, COMO LULA, tinha grande apoio popular. Quando ele se suicidou, massas de trabalhadores saíram às ruas do Rio de Janeiro e tentaram destruir as sedes dos jornais conservadores que moviam a campanha de denúncias contra ele. A esquerda, os nacionalistas e o PTB capitalizaram esse descontentamento popular. E, de certa forma, a Era Vargas se estendeu por mais dez anos; primeiro, diluída no governo de Juscelino Kubistchek (1956-1960), um desenvolvimentista, como Getúlio, mas sem o seu nacionalismo; depois, com a presidência de Jango Goulart (agosto de 1961-abril de 1964), vice-eleito do presidente Jânio Quadros, um candidato da direita que renunciou poucos meses depois da posse.
A cadeia da Ultima Hora sobreviveu e se ampliou após a morte de Getúlio. Juscelino foi um de seus apoiadores. Jango, mais ainda. A UH de Recife, por exemplo, foi montada no governo Jango, na campanha eleitoral de 1962, com dinheiro de José Ermírio de Moraes, pai do atual patriarca da familia, Antônio Ermírio de Morais. José Ermírio, ele também um nacionalista, era candidato a senador pelo PTB em Pernambuco, numa chapa com os socialistas, encabeçada por Miguel Arraes para governador do Estado (Arraes morreu recentemente. Seu neto, Eduardo Campos, do PSB, foi eleito agora para o governo de Pernambuco, com o apoio do PT e do PCdoB, entre outros partidos). Mas nem a rede nacional da Última Hora e nem mesmo o conteúdo progressista de alguns dos jornais locais que sobraram dela, sobreviveu ao golpe militar. A nova ordem política do País acabou criando um sistema de informações novo que é basicamente o atual, que tem como seus pilares nacionais a Rede Globo de televisão, com seu famoso Jornal Nacional; a Editora Abril, com a Veja, que no seu gênero, o da revista semana de informações, é uma das maiores do mundo capitalista; e os grandes diários conservadores que são O Estado de S. dada no Rio de Janeiro em 12 de junho de 1951, pelo jornalista Samuel Weiner e em pouco tempo formou uma cadeia nacional com edições no Rio, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife, Niterói, Curitiba, Campinas, Santos, Bauru e na região do ABC paulista. Getúlio tinha noção clara de que a direita estava em campanha contra ele e que precisava de um instrumento de formação de opinião pública como resposta. Lia a UH, ao que parece, diariamente, como mostra um bilhete dele a Lourival Fontes, chefe do gabinete civil da Presidência: “Dizer ao Weiner que o número do jornal dele, que li hoje, só tratava de esporte. Nada havia para alertar ao povo e ao Congresso, bem como as informações sobre entrada de gêneros, aumento de transportes etc, a fim de desfazer a campanha adversária de que o governo está parado”. Paulo, a Folha de S. Paulo e O Globo.
O que permite afirmar com certa segurança que o presidente Lula, no seu novo mandato, não terá nada como antes neste campo – ou seja, que não terá um sistema político e de informações como o dos anos 1950-1964, dos governos de Getúlio, JK e Jango Goulart – não é apenas o fato de que o mundo muda sempre e a história não se repete. Nas voltas que a espiral do mundo dá, sempre é possível recriar de forma nova, mais avançada, alguma coisa que era antiga mas que, morrendo e sendo adubada, germina e evolui. O problema maior é que o próprio presidente Lula e seu partido não parecem ter entendido o significado do grande teatro que domina a vida política brasileira e que é encenado com a participação indispensável do oligopólio das comunicações.
A mídia conta o escândalo do dossiê como uma luta do bem em geral, contra os malvados que disputam informações com dinheiro, montam serviços de inteligência, espionam pessoas e representam interesses. De tanto serem pressionados por esse tipo de mídia – usando uma imagem do professor Wanderley Guilherme dos Santos, de tanto serem torturados pelo jornalismo de tipo Oban – parece que o presidente e o PT acabaram acreditando que a realidade está nas máscaras que acabaram sendo obrigados a usar para entrar na cena política oficial. O mundo da política não parece ser mais, para eles, uma arena de conflitos sociais, de classes em disputa.
Para o segundo mandato do presidente Lula não devem ser esperadas maiores mudanças nessa posição. Ela está enraizada; e há tempos. Pode-se identificar no final de 1999 o momento em que Lula e o comando petista faz a opção decidida por aceitar o jogo da política oficial, baseado na chamada opinião pública.
Na ocasião estava em discussão o “Fora FHC”, um movimento de protesto contra o governo liberal, cujo plano de integração à economia global, baseado em uma ampla venda do patrimônio público e na ilusão de uma moeda forte, desmoronara ruidosamente – no final de 1998 o governo FHC articulara secretamente com o governo americano e o Fundo Monetário Internacional um plano de recuo forçado, baseado no que seria depois a Lei de Responsabilidade Fiscal e nos superávits primários de algumas dezenas de bilhões de dólares anuais para pagar o endividamento do País aos credores internos e externos.
O “Fora FHC” tinha amplo respaldo da vanguarda do movimento popular: era apoiado por toda a oposição ao governo liberal; e incluía não só o PT, o PCdoB e o PSB – hoje na base governista – como o PDT e setores do PMDB. Uma marcha que reuniu 100.000 pessoas em Brasília acabou sendo feita e Lula foi seu orador principal. Pouco depois no entanto o PT saiu fora do “Fora FHC”. O argumento básico era de que setores de centro abandonariam a candidatura Lula a presidente se o partido persis
tisse nessa linha, que teria o significado de uma tentativa de derrubar o presidente da República por fora do caminho eleitoral. O erro daquela avaliação se repete hoje: toma-se a opinião pública média de um país muito desigual como Brasil, como um dado da natureza. Não se quer ver que cabe à liderança e aos partidos populares despertar a criatividade do povo a partir de suas lutas, para construir o seu movimento cultural, a sua imprensa, para promover as suas idéias. Para fazer valer a sua opinião; para fazer avançar essa opinião pública dos setores médios, que são geralmente majoritários na sociedade, mas que se orientam por um amálgama de idéias geralmente conservadoras cuja forja principal no mais das vezes é o jornalismo diário das grandes empresas. [Raimundo Rodrigues Pereira]