Por João Brant

Observatório do Direito à Comunicação – 27.11.2007

O anúncio da composição do Conselho Curador da Empresa Brasileira de
comunicação (organização que vai abrigar a nova TV pública) não trouxe
surpresas. Infelizmente. Desde que o processo passou às mãos da
Secretaria de Comunicação Social, do Ministro Franklin Martins, ficou
claro que a composição do conselho, pretensamente representativo da
sociedade, seria decidida unicamente pelo Executivo, a partir de
critérios próprios.

A TV pública nasce vítima do modelo que o governo criou. Em vez de
optar por uma arquitetura pública de participação, preferiu manter o
controle e ser responsável direto por todas as indicações. Feita essa
opção, recaiu sobre ele o ônus de provar que não era autoritário e que
não queria criar a “TV Lula”. Fez tanto esforço para isso que criou um
conselho conservador e elitista.

Assim, criou-se um aparente paradoxo: no afã de legitimar o projeto da
TV pública com setores da direita, o governo abriu mão do caráter
público e deu à emissora um perfil governamental. Mais: criou no
conselho uma composição pensa, que traz uma penca de empresários e
nenhum representante dos trabalhadores, seja da comunicação seja do
campo geral. Também indicou apenas uma pessoa com atuação no debate
das políticas públicas de comunicação (o advogado José Paulo
Cavalcanti), que mesmo assim não vinha participando dos debates da TV
pública.

Aliás, essa foi a tônica das indicações: nenhum dos escolhidos
participou do Fórum de TVs Públicas nem representa setores que vinham
se manifestando no debate. Dirão as vozes governistas que esses
setores são representativos apenas de um pequeno setor da sociedade.
Mesmo se isso for verdade, esse setor (pequeno ou grande) não pareceu
digno de representação, a se julgar pela ausência completa de nomes
desse campo no conselho. Para piorar, a idéia (positiva) de que o
conselho não deve ser composto somente por especialistas acabou sendo
tão forte que nenhum representante acadêmico da comunicação foi
indicado.

Há de se notar ainda a preocupação com a questão da regionalidade e,
minimamente, da diversidade étnico-racial e de gênero. No entanto,
isso se deu sem diálogo com o próprio movimento negro, indígena ou
feminista, o que mostra que definitivamente representatividade não foi
um dos critérios nesse processo. Critérios são sempre questionáveis,
dirão alguns. É justamente isso que se está fazendo aqui,
questionando-os, embora neste caso – um debate sobre uma TV
pretensamente pública, ressalte-se – os únicos critérios que valham
sejam aqueles decididos pelo governo.

Esse fato ilustra, a bem da verdade, um problema de origem desse
conselho. A lógica de um órgão representativo da sociedade escolhido
pelo governo, sem sequer um processo de indicação, é paternalista e
anti-democrática. Assessores do ministro vêm utilizando o argumento de
que “no Reino Unido é assim”. Não é. No caso da BBC, a composição do
Trust (conselho curador de lá) parte de um processo de seleção pelo
“comitê de indicações públicas”, órgão independente que faz esse papel
para mais de 1000 órgãos com participação social. Esse comitê recebe
indicações da sociedade, e faz uma lista de candidatos a serem
entrevistados. A partir da fase de entrevistas, entra, como um dos
avaliadores, um representante do governo inglês. Depois disso, as
indicações são passadas ao Secretário de Estado, depois ao
Primeiro-Ministro e, finalmente, à rainha (que não manda nada, como
indica o próprio cargo, mas mostra que a decisão está acima do governo
da vez).

Além disso, embora haja, no final do processo, esse filtro de
governo, trata-se de um mecanismo democrático de um país que é
parlamentarista há séculos, com uma forte tradição de debate público e
de equilíbrio na composição desses espaços. Ainda assim, o BBC Trust
já foi criado com dezenas de pesos e contrapesos, checks and
balances, mecanismos de consulta, medidas para evitar o conflito de
interesses dos conselheiros, comitês públicos que analisam a
programação, isto é, vários mecanismos que estabelecem um forte
compromisso dos trustees com o conjunto da sociedade. Por aqui, se
depender da análise prévia, começamos mal.

De toda forma, o governo não precisaria atravessar o Atlântico se
quisesse encontrar modelos mais democráticos de representação. Há nas
próprias estruturas do Estado brasileiro excelentes referências. Tanto
o campo da Saúde quanto o da Habitação, por exemplo, têm modelos
avançados de gestão, com conferências periódicas e conselhos
representativos, eleitos pelos setores envolvidos por meio de
mecanismos democráticos. Se não quisesse sair da própria área da
comunicação, o governo poderia adotar o modelo do Comitê Gestor da
Internet, que também tem sua composição determinada por voto direto
dos setores interessados. Embora esses conselhos tenham atribuições
diferentes do que aqui discutimos, todos eles encontraram formas
democráticas de a sociedade escolher seus representantes. Mais que
isso, nenhum desses conselhos sofre do corporativismo que o governo
usa como justificativa para a não adoção desses modelos.

Se não foi por falta de opção nem de aviso, o governo fez uma opção
clara e consciente de modelo. Resta torcer para os críticos desta
proposta estarmos errados. Não é o que indicam os prognósticos, mas
para quem acredita na necessidade de uma TV verdadeiramente pública no
Brasil, manter a esperança é questão de sobrevivência.

* João Brant é coordenador do Intervozes – Coletivo Brasil de
Comunicação Social.