Durou pouco a promessa do governo de que a TV Digital dos mais pobres teria ‘interatividade plena’. Em prol de um suposto consenso entre operadoras móveis, televisões comerciais e públicas prevaleceu a escolha de um conversor que, apesar do Ginga, não terá conexão à Internet. Ou melhor, terá, desde que brasileiros que precisam do Bolsa Família garantam em suas casas modems 3G ou banda larga fixa.
Por Luís Osvaldo Grossmann / Convergência Digital
“A Anatel apresentou uma proposta de consenso. Retiramos algumas coisas de impacto financeiro muito forte, mas preservamos o que a gente considerava essencial, que é o suporte à interatividade plena e ao Ginga C. Isso foi alcançado”, festejou o coordenador do grupo de implementação da digitalização, Gired, o conselheiro da agência, Rodrigo Zerbone.
A especificação a ser encaminhada à EAD – a empresa criada pelas teles para operacionalizar a distribuição de conversores, antenas e filtros aos mais pobres – prevê uma caixinha com 512 MB de memória RAM e 2 GB de memória flash. Haverá entrada USB para um eventual modem e porta Ethernet, para uma eventual banda larga fixa – nenhuma delas incluída.
Além disso, haverá dois fluxos distintos de vídeo, um com Mpeg 4, outro com Mpeg 1 – na prática, significa dizer que a janela de Libras poderá vir separada da imagem principal, uma vantagem, mas com qualidade inferior. Também haverá saída HDMI (mas não o cabo). E, como mencionado, a opção pelo chamado Ginga C.
Ainda que tratado assim, o Ginga na verdade é o mesmo – as alternativas de implementação tem custo próximo a zero no software. O que faz diferença na qualidade da interatividade são os componentes do conversor. E é aí que se farão notáveis a ausência de conectividade embutida ou pelo menos de um sistema Bluetooth.
Segundo Zerbone, tais componentes “teriam impacto financeiro forte”, embora não revele o preço da configuração escolhida. Ela ficará, porém, próxima de US$ 30, segundo apontam as estimativas feitas pela EAD. Em si, o valor é bem mais próximo do modelo mais simples como desejado pelas teles do que do conversor mais robusto defendido pelas TVs públicas.
“Em comparação com outras, é bem mais barata que a versão mais cara, mas mais cara que a versão mais barata. O preço será visto pela EAD”, diz Zerbone. A estratégia de aquisição ainda não é conhecida. Os primeiros 6,8 mil conversores são necessários para a distribuição até novembro na goiana Rio Verde, primeira cidade a ter os sinais analógicos desligados. No total, porém, há 14 milhões de beneficiários do Bolsa Família, público que vai receber o conversor.
Na escolha da configuração, houve espaço para uma espécie de manifesto das operadoras móveis. “As empresas de telecom fizeram uma declaração de voto considerando a importância do consenso, mas colocando a necessidade de o Gired avaliar constantemente a questão orçamentária, para evitar extrapolar o valor a ser alocado”, explicou o conselheiro.
Explica-se: as teles apresentaram um voto em que defenderam que o conversor que propuseram originalmente – que não tinha sequer botão de liga/desliga ou pilhas no controle remoto – atendia a configuração desejada. Também se queixaram do ‘Ginga C’ e frisaram a necessidade de que os aportes não ultrapassem o que está previsto no edital dos 700 MHz, os R$ 3,6 bilhões. Detalhe: o edital já previa a possibilidade de aportes adicionais.
A Anatel promete que, se sobrar dinheiro, no futuro poderá ser reavaliado um conversor com Bluetooth e canal de retorno embutido. Longe de ser um preciosismo, o Bluetooth poderia ser usado como conexão (mesmo via aparelhos com planos de dados pré-pagos) e, especialmente, como substituto ao teclado do controle remoto da TV.
A alegação, como mencionado, é de que a conectividade embutida e o Bluetooth seriam muito caros. De fato, incluir um modem 3G poderia elevar o custo do conversor em cerca de 50% – mas é questionável o grau de interatividade sem ele. Já o Bluetooth teria custo bem mais modesto – entre US$ 1 e US$ 4 a depender da cotação.
“Se tiver recursos sobrando, vamos avaliar quando tiver mais visibilidades dos gastos com propaganda, mitigação de interferência”, afirmou Rodrigo Zerbone. Quem sabe aí possa ser cumprida a promessa que o ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, fez na Câmara dos Deputados: “Defendemos que seja o ‘Ginga C’ para ter maior capacidade de interação, e que tenha um modem que possa fazer o canal de retorno, que possa não apenas transmitir o sinal para a casa do usuário mas que também faça o retorno das comunicações do usuário”.