Há uns anos atrás a Carta Capital fez uma boa matéria de capa sobre isso (CC no 183, 3/4/02). Segundo a reportagem, dados do IBGE mostravam que 81% dos brasileiros não podiam consumir nada além do básico. Desses, a metade não consumia nem o básico. Com um mercado consumidor tão reduzido, a busca por ampliação de mercado através de produtos mais baratos era uma estratégia importante, mas nem sempre eficaz.

E, que coincidência: em 2002, quando calculava-se em 19% os potenciais consumidores, que percentual da população era atingida pelos jornais impressos? Com muito otimismo, o mesmo! Seria uma leviandade afirmar que uma coisa leva à outra sem dados mais precisos. Mas, se a mídia comercial é o principal veículo da publicidade, à medida que se tenta ampliar o mercado consumidor, faz sentido que se tente aumentar o “mercado leitor”. Assim como faz sentido que a mídia comercial não se importe em atingir os não-consumidores, que são também os não-leitores. Afinal, não servem ao negócio dela.

Mas, e para quem precisa chegar aos não-consumidores? Bem, aí o buraco é bem mais embaixo. Para começar, muito do que ensinam nas faculdades de jornalismo deve ser revisto, transformado e às vezes simplesmente jogado fora. Porque os currículos de jornalismo formam para a mídia de mercado e nenhuma técnica é neutra.

O perfil dos jornais ditos “populares”, da mídia comercial, também não é só resultado de um cálculo frio de mercado. É também, em grande parte, resultado de uma imagem preconceituosa e extremamente elitista que os próprios jornalistas têm da população de que fazem parte. A maioria dos estudiosos de comunicação que foi para dentro das redações estudar o processo de produção da notícia garante que o jornalista não conhece e tem pouco interesse em conhecer seu leitor. Ele argumenta em nome do leitor, mas na verdade só leva em conta a avaliação dos colegas jornalistas sobre seu trabalho. E isso não só no Brasil.

No Brasil das hierarquias, onde a cultura elitista está nas nossas células, a coisa só tende a piorar. Na sala de aula, quando pergunto aos meus alunos sobre a função de um jornal, sempre fico de cabelo em pé com as imagens elitistas e preconceituosas que vêm à tona sob o nome de “massa”, “povo” ou “povão”. E não estou falando só dos ricos. Embora ser estudante universitário já te transforme em minoria privilegiada, em nosso país, a maioria dos meus alunos não é, de jeito nenhum, filho da burguesia nacional. São estudantes de faculdade paga, que muitas vezes trabalham feito loucos só para pagar a mensalidade, alimentando o sonho de ascensão social.

O preconceito não se mostra mais forte entre ricos que entre pobres. Pelo menos na minha sala de aula. Também não é menor entre aqueles com idéias que poderíamos chamar de esquerda. E isso, provavelmente, é o dado que mais me preocupa. É ver que mesmo os jornalistas que estão se formando com espírito crítico em relação ao mercado, à elite, ao status quo, tendem a reproduzir preconceitos dominantes sobre a população que pretendem defender. E, desconfio, esse é pior germe da incomunicabilidade. O fato do cara gostar de Marx, acreditar na luta de classes, se revoltar contra a opressão dos trabalhadores, parece, não é garantia nenhuma de que ele está consciente de que não é superior, não é portador de uma consciência maior, não é dono de uma verdade mais valiosa do que a daqueles que não leram Marx nem freqüentaram a universidade.

E, contra ou a favor, se eu te vejo como um idiota, você seria um idiota de levar em conta o que tenho a lhe dizer. Enfim, tudo pra dizer que também acho, como o texto do NPC, que existe muito espaço para que os jornais dos movimentos sociais sejam mais capazes de atingir os tais “não leitores”. E acho que um dos exercícios necessários a isso é nos perguntarmos o quanto, como jornalistas, compartilhamos dos preconceitos de nossos colegas da mídia comercial, ainda que olhando pelo outro lado, ainda que apoiados em outras teorias sociais.