por Jorge Antonio Barros
JOÃO ROBERTO SOARES – menino de 3 anos morto em 6 de julho de 2008 por PMs do 6º BPM (Tijuca), que confundiram o carro da mãe dele com o de bandidos que estavam perseguindo. Um deles foi absolvido.
PATRÍCIA AMIEIRO – engenheira de 24 anos, desaparecida desde 14 de junho de 2008, em caso que tem PMs do 31º Batalhão (Barra) acusados do crime. Ainda não foram julgados.
EVANDRO JOÃO DA SILVA – diretor do AfroReggae morto em 22 de outubro de 2009 por dois assaltantes no Centro do Rio. Os criminosos haviam sido liberados por uma dupla de PMs. Os policiais conseguiram permanecer na corporação.
JUAN MORAES – menino de 11 anos morto por quatro PMs do 20º Batalhão, que participavam de operação numa favela em Nova Iguaçu, em junho de 2011. Eles esconderam o corpo da criança, mas o crime veio à tona e foram condenados a mais de 30 anos de prisão.
PATRÍCIA ACIOLLI – juíza assassinada em emboscada feita por 11 PMs do 7º Batalhão, incluindo o comandante da unidade, na noite de 11 de agosto de 2011.
AMARILDO DE SOUZA – morador da Rocinha desaparecido em 14 de junho de 2013. PMs da Unidade de Polícia Pacificadora da Rocinha foram acusados de tortura e morte de Amarildo. Estão presos.
Sete casos emblemáticos da violência policial no Rio, em cinco anos, que chegaram ao conhecimento da opinião pública. Uma lista de casos de violência da PM de maior repercussão só neste governo, que propaga ter incluído a segurança pública na agenda política. O Caso Claudia — a auxiliar de serviços gerais que foi arrastada pelas ruas, removida por um carro do 9º BPM (Rocha Miranda), depois de baleado num tiroteio entre policiais e traficantes — infelizmente não é pontual. Esta é a rotina da PM, sobretudo nas áreas mais pobres do Rio de Janeiro. Muitos policiais que se envolvem em escaramuças nas favelas usam do expediente de socorrer os baleados com o objetivo de “limpar” o local do crime e impossibilitar o trabalho de polícia técnica. Essa tática veio à tona numa série de reportagens do GLOBO na chamada Faixa de Gaza, na Zona Norte do Rio, ainda na década de 90.
A única diferença dessa vez foi que uma pessoa corajosa apertou o botão de gravar do celular e fez as imagens que tiraram o capuz dos maus policiais. As imagens chocantes de um corpo pendurado na caçapa e arrastado por um carro da PM que supostamente socorria a vítima de disparo de arma de fogo. O caso produziu tamanha revolta que a sociedade infelizmente esqueceu que na semana anterior eram os policiais que estavam na alça de mira dos criminosos. Dez deles foram mortos em áreas supostamente pacificadas.
No momento em que manifestantes do Rio de Paz se reuniam na Cinelândia para prestar solidariedade aos policiais, na segunda à tarde, Claudia era enterrada depois de ter tido seu corpo degradado pela ação dos policiais do 9º Batalhão, que historicamente é um dos mais violentos da cidade. Foi um tiro no pé.
Mas afinal por que nenhuma autoridade consegue dar um basta a essas práticas criminosas da PM do Rio?Em primeiro lugar porque parcela da sociedade, justamente a que tem o poder de influenciar as políticas públicas, quer de fato uma polícia violenta, sobretudo nas favelas, refúgios da bandidagem armada que historicamente tem se aproveitado da ausência do poder público e da exclusão social. Esses setores sociais apostam numa polícia que atira antes de pedir a identidade. Afinal foi essa a política de confronto, ovacionada pela opinião pública, e que prevaleceu neste governo até lançarem o projeto de pacificação, nascido praticamente do acaso, sem grande planejamento.
A Natureza da Corporação
Outra razão que poderia explicar a sucessão de erros cometidos por policiais militares é a natureza de sua corporação. A PM foi fundada em 1809 com o nome de Divisão Militar da Guarda Real da Polícia da Corte. A PM foi criada para servir ao rei e não aos súditos do monarca. Para piorar o caráter dessa corporação, com o golpe militar de 64, a PM — que atuava dentro dos quartéis, como uma reserva tática do Exército — sai às ruas para o policiamento ostensivo, cujo principal objetivo era o combate a subversão que ousou desafiar o regime. Em 1970, 90 milhões em ação, e os PMs começaram a ser recrutados para operar nos DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações- Coordenação de Defesa Interna), os órgãos da repressão encarregados de executar a política de extermínio da ditadura militar. Aquela foi sem dúvida a principal escola da violência sem qualquer limite ou controle. Foi ali, por exemplo, que PMs aprenderam a interrogar presos com o emprego da violência, apagando vestígios e lavando com álcool as mãos sujas de sangue. Foram bem instruídos também a como, num passe de mágica, desaparecer com os corpos durante eventuais “acidentes de trabalho”.
Aliás, é assim que alguns PMs costumam tratar graves falhas que resultam em mortes e tragédias de famílias inteiras. “Acidente de trabalho”. Mas o livro “Como nascem os monstros — a história de um ex-soldado da PM”, de Rodrigo Nogueira, está cada vez mais atual no Rio de Janeiro e talvez onde houver PMs que desafiem as leis e se escondam sob o manto sujo da impunidade. A PM precisa ser urgentemente reformulada. Nunca, nesses últimos 30 anos que acompanho a segurança pública, uma reforma nas polícias foi tão premente. O Congresso deveria entrar nisso, mas… deixa pra lá.
Um dado é fato, também urgente. Os policiais que cobram, com razão, atenção dos movimentos de direitos humanos, quando tornam-se vítimas, deveriam ser os primeiros a ajudar a sociedade a extirpar das corporações os maus agentes. A faxina nas polícias tem que começar dentro delas. Em que democracia se convive com esse nível de incompetência e criminalidade dentro da instituição que deveria ser a primeira a zelar pelo cumprimento das leis? Como a sociedade pode conviver passivamente com crimes praticados por policiais contratados justamente para coibir a prática de crimes? Como as autoridades silenciam sem culpa por tantos crimes praticados por policiais? Enfim, há momentos em que a perplexidade domina a maioria e só temos mesmo perguntas ainda sem respostas.
Se puder leia esse texto do blog, de dois anos atrás: “O diabo veste farda”