Por Rosângela Ribeiro Gil, colaboradora do NPC, 31 de janeiro de 2006

O Porto de Santos está em festa, seja pelo dia do portuário, comemorado sábado, 28 de janeiro; seja pelos 114 anos completados no dia 2 de fevereiro. Como celebrar, e bem, datas tão importantes? Não vejo de outra forma senão lembrando quem fez e faz a boa história, quem dedicou sua vida pelas vidas de muitos homens e mulheres. Nada melhor, portanto, do que falar da gente do porto no PortoGente.

Por volta dos anos 1990, conheci uma pessoa especial. Tivemos poucas, mas boas conversas. Durante uma assembléia. No meio de uma reunião de dirigentes sindicais. Ou mesmo na mesa de um boteco aos arredores do Sindicato dos Estivadores de Santos. Uma pessoa com os olhos brilhantes, cheios de vida e sonhos. A fala é mansa, quase professoral (de quem já viveu e apanhou muito desta vida). Mais do que isso: carrega o tom (ou dom) da sabedoria. Os gestos são delicados, reforçando, pelo contraste, as suas palavras. De forma hipnótica não ouso piscar nem respirar um pouco mais fundo para não atrapalhar o nosso companheiro (acho que tenho medo de acordar do sonho).

Ao ser jornalista do Sindicato dos Estivadores de Santos, na primeira gestão de Vanderlei da Silva, tive o privilégio, privilégio mesmo, de poder compartilhar algumas horas com o grande líder sindical Osvaldo Pacheco da Silva. O Osvaldo que foi presidente do próprio sindicato, da Federação Nacional dos Estivadores, do PUA (Pacto de Unidade e Ação), do Fórum Sindical de Debates, deputado constituinte de 1946 e (sempre) militante comunista.

Pacheco era sergipano e no início foi assim: “Trabalhei como comerciário no estado de Sergipe. O primeiro emprego foi em uma farmácia…Defendia os direitos de todos onde trabalhei, isto me criava dificuldades, até que resolvi…vir para Santos em 1935. Trabalhei um ano na fábrica de vidros em São Vicente e depois no Departamento de Saneamento de Santos. Nos fins de semana e à noite, ia procurar trabalho na Estiva”.(1)


Osvaldo Pacheco da Silva, com outros companheiros, na frente da
sede do Sindicato dos Estivadores de Santos, em 1960. Pacheco
é o terceiro, da direita para a esquerda.

Em 1937 foi proposto associado do sindicato e aceito no porto. Em 1943, foi eleito diretor do sindicato dos estivadores. “Na década de 40, havia muita perseguição aos que combatiam a ditadura e lutavam pelos direitos dos trabalhadores…Entretanto, o movimento operário, neste período, participava de lutas memoráveis”.(2)

Subterrâneos da liberdade

“Eram quase duas e meia quando Oswaldo e Aristides, o primeiro-secretário do sindicato — também ansiosamente procurado pela polícia — apareceram no cais, cercados pelo grupo de camaradas. Os estivadores, reunidos em frente ao armazém, prorromperam em aplausos. Os policiais postados nas imediações se movimentaram. Mas antes que pudessem se aproximar de Oswaldo e Aristides, esses já tinham sido envolvidos pela multidão, que os cercava em ruidosa demonstração de estima”.(3)

Entre a realidade e a literatura de Jorge Amado, no seu livro Os Subterrâneos da Liberdade — Agonia da Noite, lá está ele, o nosso Osvaldo. Com pinceladas ou não de ficção, sabemos que o escritor baiano se inspirou, para falar do personagem Oswaldo, no líder-estivador-real Osvaldo. Como na transcrição romanceada do boicote, pelos estivadores de Santos, ao navio alemão de Hitler que veio para carregamento de café para levar para a Espanha do general ditador (Francisco) Franco. Os estivadores, apesar de toda a perseguição da ditadura de Getúlio Vargas, se recusaram a carregar o navio de bandeira nazista. Isso foi em 1946.

Osvaldo estava lá. Oswaldo também. “Os tiras tinham-se colocado na orla do cais e nos lados do armazém. Eram uns dez e não tiraram os olhos dos dois dirigentes sindicais. Entre os estivadores, alguém propôs começarem a discussão, pois Eusébio Lima devia chegar a qualquer momento em busca de resposta. Muitos voltaram-se a sentar, Oswaldo começou a falar:

— Companheiros, a vinda do Ministro do Trabalho a Santos e a sua proposta de discutir com uma comissão é já uma vitória de nossa greve. Eu creio que devemos aceitar a proposta do Ministro e discutir com ele. Não precisamos formar nenhuma comissão: quem deve discutir com o Ministro é a diretoria do sindicato…”(4)

Deputado constituinte

Das páginas de Jorge Amado para as “páginas” da Constituinte de 1946. “Quando fui convidado para ser candidato a deputado federal (1945), levei o convite para a diretoria (do Sindicato dos Estivadores) e condicionei minha aceitação tanto ao apoio da diretoria como da Estiva e dos demais sindicatos de Santos. Obtivemos este apoio unânime…Esta união, consciência e luta nos deu uma votação das bases,…fomos dos mais votados no Estado”.(5)

Em 10 de janeiro de 1948, a mesa da Câmara dos Deputados comunica a cassação dos 15 parlamentares eleitos pelo Partido Comunista do Brasil, entre eles, Osvaldo Pacheco da Silva. Estávamos no governo do general Eurico Gaspar Dutra. “Voltei sempre para trabalhar no porto e continuava…a participar das assembléias e das lutas”.(6)

Por que lutávamos

“Procuramos sempre trabalhar a base. As assembléias eram o ponto mais importante para as decisões e as formas de luta. No período do Pacto de Unidade e Ação (PUA), com vítórias maiores ou menores, íamos acumulando forças na unidade de ação… Após várias lutas e vitórias a nível nacional, com todas as categorias dos portos, ferroviários, marítimos e aeroviários e aeronautas, e apoiávamos também lutas de outras categorias, até que chegamos ao Comando Geral dos Trabalhadores. O objetivo do PUA… era organizar o movimento sindical a nível nacional para sermos uma força capaz de avançar na cidade e no campo, pelos direitos econômicos, políticos e sociais… Lutamos pelos direitos da cidadania, a democracia, liberdade e autonomia sindical. Lutávamos também pela defesa da soberania, limitação de remesso de lucros para o exterior, reforma agrária, reforma tributária, participação dos trabalhadores na administração do patrimônio público…”(7)

Comício das reformas

Como não podemos contar toda a vida do líder Osvaldo Pacheco da Silva, fazemos um corte e avançamos. Agora estamos na década de 1960, mais precisamente no dia 19 de fevereiro de 1964. Um edital é publicado nos jornais fazendo um convocação dos trabalhadores e ao povo em geral para manifestarem “sua inabalável disposição a favor das reformas de base” (do presidente João Goulart). O edital é assinado pela comissão que organizou o grande Comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, no dia 13 de março. O nosso líder estivador Osvaldo Pacheco da Silva, então presidente da Federação Nacional dos Estivadores (FNE) e representante do PUA e do CGT, será um dos signatários do documento.

“Uma comissão, composta por Osvaldo Pacheco da Silva, presidente da Federação Nacional dos Estivadores e representante do CGT e do Pacto de Unidade e Ação (PUA), pelo deputado federal Hércules Correia dos Reis, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), ex-presidente do Sindicato de Têxteis da Guanabara e secretário da Comissão Permanente das Organizações Sindicais (CPOS), e pelo deputado José Talarico, secretário do PTB do estado da Guanabara e assessor de Goulart nas atividades sindicais, encarregou-se da organização do Comício da Central”.(8) Mais de 150 mil pessoas participam do Comício da Central do Brasil, apesar de todo o aparato que se formou contra.

Prisão e exílio

Apenas 18 dias após o Comício das Reformas um golpe militar tira João Goulart da presidência da República. Começam os “anos de chumbo” do Brasil. Sindicatos sofrem intervenção. Lideranças sindicais são perseguidas e presas. “Em 1964, quando do golpe, estava na Federação Nacional dos Estivadores com meus companheiros. Fomos aos locais de trabalho, e as assembléias sindicais lançaram um manifesto à nação. Nossa sede foi invadida pela polícia…Foi ocupada pela Base Aérea…As ruas estavam repletas de populares…e ficou resolvido pelos companheiros que eu deveria me exilar na embaixada do México…Fiquei três anos no exterior, exilado no México e depois no Uruguai. Através de movimento de solidariedade, fiquei em São Paulo até que me prenderam. Fui preso em um ônibus em São Paulo, na avenida Santa Amaro. Face às torturas e em conseqüência das denúncias no Senado Federal, através do senhor Franco Montoro,…me levaram para o hospital e depois para o presídio denominado Barro Branco”.(9)

O advogado Heráclito Fontoura Sobral Pinto, símbolo da luta pelos direitos humanos, defendeu Osvaldo Pacheco no Superior Tribunal Militar. “Defendendo Osvaldo Pacheco, Sobral Pinto jurou ao tribunal que empregaria todos os meios para evitar uma dupla condenação do sindicalista em razão das mesmas acusações. O réu acumulava processos na Justiça Militar. “Aquilo que se chama de prova é apenas a sua confissão feita em juízo, através de torturas cruéis, das quais eu sou testemunha porque estive com esse homem quase um ano depois das torturas que ele sofreu para fazer esta confissão. Ele era um molambo de homem”, denunciou. O advogado esgrimia com um discurso corajoso, diante de militares, num momento em que o regime não garantia os direitos individuais”.(10)

“Oswaldo Pacheco 
Sergipano, foi um dos maiores líderes sindicais dos portuários brasileiros

Quem foi: Líder sindical que se projetou no Porto de Santos (SP). Era sergipano e elegeu-se deputado constituinte por São Paulo em 1946. Morreu em 1993.
O que sofreu: Acusado de comunista, foi cassado depois de promulgada a Constituição de 1946. Exilou-se no México em 1964.
Na ditadura militar: Foi preso e torturado sob o regime dos generais”

(Revista Época – Edição 77)

Tanta vida, luta e dedicação não cabem nesta página. O líder do Porto de Santos, sem dúvida nenhuma, é uma referência não só do movimento sindical dos portuários de Santos, mas de toda a classe trabalhadora. Um exemplo. Nos momentos mais difíceis e sofridos não esqueceu dos companheiros: “Tentaram me tirar do presídio, e todos os presos que lá estavam se mobilizaram no corredor da saída e declaram para a direção: Só tiram o Pacheco daqui se matarem todos nós”. Com esta solidariedade, estive quatro anos no referido presídio e saí com o movimento pela anistia. Logo que saí da prisão, voltei para a Estiva de Santos. O tempo que estive preso recebi a solidariedade de companheiros de várias profissões e de meus familiares e foi assim que sobrevivemos”.(11)

Valeu, Pacheco…
 

Citações
1, 2, 5, 6, 7, 9 e 11 — ”

Memória Sindical de Santos — 1930-1964″, Fundação Arquivo e Memória de Santos
3 e 4 — “Os Subterrâneos da Liberdade – Agonia da Noite”, Jorge Amado
8 — Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro da Fundação Getúlio Vargas
10 — “A História desarquivada”, revista Época, edição 77, de 08/11/1999