Por Eduardo Sá – Fazendo Media
Na primeira comunidade do Rio de Janeiro a ser atendida pela Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), o morro Santa Marta, na zona sul carioca, uma rádio comunitária teve seu transmissor apreendido na tarde de ontem (03) pela Polícia Federal, sob o comando da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Leia mais sobre assunto no aqui.
Impedida de transmitir sua programação na 103.3 FM, a Rádio Santa Marta instalou na manhã desta quarta-feira seu equipamento na entrada da comunidade e realizou sua programação na rua como ato de repúdio à ação que sofreu. Em entrevista ao Fazendo Media, Emerson Claudio Nascimento, mais conhecido como Rapper Fiell, locutor da rádio, diz que o projeto está incomodando ao organizar e passar informações ao povo. Segundo ele, houve uma censura por questões políticas e não técnicas.
De onde surgiu a necessidade da rádio comunitária?
A necessidade é óbvia né: o povo precisa da sua voz, precisa discutir os seus assuntos. E só uma rádio comunitária feita pela população local que vai possibilitar a esses debates e assuntos serem publicizados e discutidos. Em uma rádio comercial, infelizmente, os assuntos da favela não são discutidos. Quando são, é de forma vertical.
Como é a programação da Rádio Santa Marta?
É uma programação eclética, com mais de 20 programas onde toda a diversidade cultural e política do morro está. É uma rádio comunitária plural, na qual o morador tem voz. A nossa ética da rádio sempre foi essa: de dentro para fora. Então montamos a grade e hoje a rádio é referência para o Brasil em termos de rádio comunitária.
E como é o tratamento em termos de serviços e informes?
Temos os programas específicos, como o matutino “Fala Zé”, que é o informativo da Associação de Moradores, e no final de semana tem o programa “Olhares do Mundo”, apresentado por mim e que discute vários assuntos do Santa Marta, do Rio, do Brasil e do mundo. Durante a programação os informes vão chegando e todos os programas vão publicizando, então a parte jornalística da rádio vai sendo alimentada conforme vai chegando no nosso e-mail.
Como você vê essa ação de ontem? É uma questão mais técnica ou política?
É política, a censura é moldar a voz do povo. Imagina o povo com voz. Hoje o Santa Marta há 8 meses fala dos seus problemas locais, do seu povo, divulga a música do artista local, e nesse tempo conseguimos unir toda uma diversidade de gerações. Hoje a população liga para a rádio, participa, fala do seu aniversário, da sua festa, enfim. Isso incomoda a imprensa hegemônica, que realmente não gosta quando o povo se organiza e tenta também ter direito à comunicação.
Você pode fazer um relato do que aconteceu ontem? Qual foi o argumento apresentado?
Não teve argumento, o argumento era vir para fechar a rádio comunitária. Não teve mandato, nenhum documento formal com o nosso endereço, então foi irregular a ação. Só que a Anatel vem junto da Polícia Federal, então imagina qualquer morador de favela se for falar o contrário da polícia: vai ser autuado como desacato à autoridade.
Infelizmente prenderam o nosso transmissor, e me levaram junto com o outro locutor. O transmissor custa perto de R$ 6mil, só que o nosso foi doado, teve a participação do Marcelo Yuka e da ONG Promundo. A rádio vive de solidariedade, para quitar os débitos fazemos festas e contamos com a ajuda do povo. Não só dos moradores, mas de qualquer outro morador da cidade que tem solidariedade a esse projeto. Todos os locutores também contribuem com o que podem, então a rádio sobrevive dos amigos da rádio e da população do Santa Marta.
Depois do ocorrido, o que ficou determinado a partir de hoje?
A gente tem que ter uma outorga. Eles falaram que temos que correr atrás de uma liminar para poder botar a rádio no ar de novo na 103.3 FM. Desde ontem o povo já sentiu a falta, procurou a sintonia e encontrou um vazio. Hoje estamos aqui na primeira estação do bondinho (plano inclinado no Santa Marta), e a rádio está ao vivo na rua em repúdio a essa ação da Anatel junto com a Polícia Federal, que foi ilegal. Infelizmente a gente fica triste, numa favela que está com a UPP e poderia dar realmente voz aos moradores você se depara com essa ação.
Como está a formalização da rádio, vocês têm caminhado nesse sentido?
A burocracia para a rádio comunitária é vasta, então é preciso uma diretoria, uma fundação de uma associação de radiodifusão, cinco entidades dentro da favela para poder montar o conselho fiscal, então tudo isso é para você não ter uma rádio. Já conseguimos tudo isso, agora a gente está encaminhando a documentação para Brasília, mas ainda não deu tempo. O processo é lento, e precisa de muita coisa para um rádio comunitária que não tem fins lucrativos. Nenhum pastor é dono da rádio Santa Marta, não tem ninguém partidário, enfim, a rádio é do povo e pelo povo.
Como foi a conversa ontem?
Só prenderam o transmissor na Polícia Federal e a gente foi prestar depoimento do que estamos fazendo na rádio, quem somos nós, e etc. Só quem se prejudica foi a população do Santa Marta, porque não vai ficar sabendo dos seus assuntos que estão acontecendo agora como a falta de água e o esgoto a céu aberto jorrando com um fedor danado. Enfim, só a rádio pode falar isso de forma que atinja todo mundo nas suas casas.
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O transmissor só vai sair de lá com uma liminar. Estamos juntos com uns advogados e os movimentos sociais para entendermos como funciona isso e buscarmos uma solução. Não vamos parar, estamos fazendo a rádio na rua e vamos rodar o morro inteiro em forma de protesto contra a Anatel. Faremos toda a semana, vai ser direto. A rádio funciona normalmente na internet, está sendo transmitido agora no www.radiosantamarta.com.br . A galera pode mandar alguma vinheta para a gente se solidarizando, no e-mail radiosmarta@gmail.com , que a gente vai tocar. E agradecemos todo o apoio da mídia alternativa, dos movimentos sociais e do povo do Santa Marta, que está assinando um abaixo assinado, e de todos os colaboradores.