[Por Sheila Jacob]
Os jornalistas Chico Otávio e Cristina Chacel, do jornal O Globo, e a presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, Victoria Grabois, abordaram na sexta-feira (23.11) a presença da ditadura de 1964 na mídia brasileira. Antes, houve uma intervenção do Levante Popular da Juventude, grupo de militantes que vêm denunciando torturadores, agentes e colaboradores da ditadura por meio dos escrachos. “É preciso não ter medo; é preciso ter a coragem de dizer”, entoaram, recuperando versos do poema “Rondó da Liberdade”, de Carlos Marighella.
O jornalista Chico Otávio, do jornal O Globo, explicou como tem atuado na elaboração de reportagens sobre o período, principalmente sobre a série de atentados que ocorreram nos últimos anos da Ditadura e mais recentemente sobre a Casa da Morte de Petrópolis. Além de ir a fundo nos depoimentos de ex-presos políticos e consulta aos arquivos disponíveis, uma etapa de seu trabalho tem sido a recolha de depoimentos de agentes da repressão. “Essa é a etapa mais difícil: convencer aqueles que ainda estão vivos a contar o que fizeram e o que testemunharam. Já recebi muitas negativas, ouvi muitos desaforos, mas às vezes conseguimos”. Um exemplo recente foi a publicação, no jornal O Globo, da matéria Relato dos porões: cobra e jacarés na hora da tortura. O texto reúne declarações do Coronel Paulo Malhães, que atuou na Casa da Morte de Petrópolis, Araguaia e DOI CODI do Rio. Pode ser lida aqui.
A jornalista Cristina Chacel, autora do livro Seu amigo esteve aqui, relatou como construiu a história do desaparecido político Carlos Alberto Soares de Freitas, cuja imagem está grafitada no pilar do viaduto Paulo de Frontin, no Rio de Janeiro. Jovem mineiro que desapareceu aos 31 anos de idade, foi um dos fundadores das Ligas Camponesas e militou na POLOP. No pós-64 fundou a Colina (Comandos de Libertação Nacional) e depois, junto com Marighella, foi um dos criadores da VAR-Palmares. “Ele foi um dirigente importante e expressivo para aqueles que sobraram para contar sua história. Fui procurada por um grupo de amigos para recuperar sua memória, e consegui reunir, no livro, 60 depoimentos”, explicou, contando que essa memória é recuperada, no livro, a partir das lembranças de histórias de vida daqueles que com ele conviveram.
“A frase que dá título ao livro foi pronunciada por um agente da tortura à única sobrevivente da Casa da Morte de Petrópolis, Ines Etiene, que relatou o ocorrido em depoimento. Esta tragédia é uma entre as muitas histórias que o Brasil precisa recuperar, enfrentar e superar. Não se vira uma página em branco”, concluiu.
“Queremos Comissão da Justiça, não apenas da Verdade”
Vitória Grabois, do Grupo Tortura Nunca Mais (GTNM), sente na pele a dor da ausência de justiça em relação aos crimes cometidos pelo Estado brasileiro durante a ditadura. Filha do guerrilheiro Maurício Grabois, Vitória esclareceu que a Comissão Nacional da Verdade não é uma dádiva ofertada pelo governo brasileiro. “Se ela existe é porque houve muita luta de familiares de mortos e desaparecidos desse país, dos ex-presos políticos, comitês da anistia e entidades como o Grupo Tortura Nunca Mais e a Comissão de Mortos e Desaparecidos de São Paulo”. Ela explica que, ao contrário de outros países da América Latina como Argentina, Chile e Uruguai, o Brasil demorou quase meio século para criar o grupo. “A Comissão da Verdade existe hoje porque os familiares de mortos e desaparecidos da guerrilha do Araguaia entraram com ação na 1a vara da Justiça Federal de Brasília há 30 anos. O caso só foi julgado em 2007 e, pasmem, ainda está em fase de conclusão. Tivemos que apelar para o Sistema Interamericano de Direitos Humanos da OEA, que em 2010 condenou o Brasil por não apurar os crimes da ditadura”, lembrou. Ela demonstrou pessimismo em relação à comissão , à qual chama de “Comissão do Possível” por não prever justiça aos torturadores e assassinos do período. “Em 2008, aprovamos, por unanimidade em um Congresso promovido pela Secretaria de Direitos Humanos em Brasília, a instalação de uma Comissão da Verdade e da Justiça. O Governo depois recuou e apresentou uma comissão recuada, de apaziguamento”.
Ela explicou que luta do Grupo Tortura Nunca Mais é para que todos os arquivos da ditadura se tornem públicos, já que “os que estão sendo abertos todo mundo já conhece”. A entidade também exige que os militares que cometeram crimes bárbaros sejam responsabilizados pela justiça brasileira. “O mais importante não é a reparação econômica: são medidas para que isso nunca mais volte a acontecer. Queremos justiça para que não continuem ocorrendo barbaridades como as de São Paulo”, enfatizou. Já que o perfil da Comissão da Verdade não agrada, Vitoria Grabois relatou que o GTNM está com outras estratégias, como denúncias ao Ministério Público contra o major Lício Maciel e o Major Curió pelos crimes cometidos na Guerrilha do Araguaia.