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Por Paula Bittencourt/Palmas

Em Palmas para ministrar oficina do Clico Fotografia, Periferia e Memória – Fotografia e Bem Querer, realizada pela Fundação Nacional das Artes (Funarte), o premiado fotógrafo documental João Roberto Ripper conversou com o Jornal do Tocantins sobre a arte de fotografar e os desafios de traduzir em imagens a verdadeira realidade do povo brasileiro.

Como teve início sua relação com a fotografia?

Comecei em jornal, como qualquer fotógrafo. Aprendi com um amigo, Júlio César Pereira, e saí fotografando. Eu escrevia e fotografava para o Luta Democrática, depois, fui para o Diário de Notícias, Última Hora, Estadão carioca eO Globo. Aí, saí para participar de uma agência independente, que era a F4, uma agência que vinha surgindo como uma opção de você pautar as coisas que queria, experimentar, editar seu material. Nesta época, havia questões que geravam certa insatisfação em alguns fotógrafos, da forma como o trabalho era aproveitado nos jornais.

Qual era o questionamento?

Essa agência passou para a gente uma maneira nova, que era você pensar a pauta que você queria fotografar, fazer essa pauta de uma forma muito engajada, vivida, o que, de alguma maneira, já quebrava aquela máxima que se ouvia nas faculdades: “jornalista, aquele ser imparcial”, que eu acho que é a maior hipocrisia que se ensina, porque os jornais não são imparciais, as pessoas não são imparciais.

Foi aí que surgiu a questão dos direitos humanos?

Esse trabalho na F4 se desenvolveu junto com um luta por direitos. Fotógrafos não tinham crédito, nenhuma foto nossa era assinada. Então, a gente começou uma luta para assinar a foto, para ter uma tabela de preços. Isso, de uma maneira, muda o perfil do mercado de trabalho e traz também uma discussão ética muito grande. Nesta discussão ética, vem uma discussão que fui aprimorando e que venho tendo na minha vida como princípio e também como felicidade, como alegria, que é a preservação da informação.

E eu acho que hoje a informação sobre a história do Brasil, grande parte desta informação, esta sendo feita nas periferias, pelos fotógrafos da periferia. E com periferia quero dizer aqueles que estão à margem do mercado formal, de modo geral; aqueles que estão vivendo mesmo na periferia das grandes cidades, nas favelas; mas aqueles também que estão vindo informar, porque viveram e nasceram em populações tradicionais. Então, hoje você tem trabalhadores rurais, índios e quilombolas aprendendo a informação. E isso traz, eu acho, para a informação, um direito que é sagrado. É um direito individual e coletivo, porque é de todas as pessoas. Todo mundo tem direito de buscar aquilo que quer saber e, uma vez de posse desta informação, divulgar usando qualquer meio, sem que sofra censura. Isso está no artigo 19º da Declaração Universal do Direito do Homem.

O que falta?

Eu acho que surgiu de uns 15 anos pra cá uma grita muito grande de inúmeras populações dizendo assim: “olha, eu sou bonito, eu faço coisas; não sou assim como me pintam”. É uma discussão sobre edição, sobre o poder da comunicação e sobre o poder de outros poderes de dizer sobre a pessoa o que você é, de criar estereótipos. A gente hoje vive uma síndrome da historia única. E a história única nada mais é do que você repetir sempre a mesma notícia até que você transforma a pessoa naquela única informação. E quando você transforma a pessoa, a comunidade, às vezes o País naquela única informação, você reduz ele e quebra a dignidade dele. Por isso a gente vem discutindo uma fotografia que seja uma fotografia compartilhada, uma fotografia em que o fotografado e o fotógrafo possam comungar. E você só consegue fotos com intimidade, com naturalidade, se você dedica bastante tempo a isto.

O que você busca passar por meio das fotos?

É delicioso quando a gente consegue ser um caminho de bem querer entre quem é fotografado e quem recebe a foto. Quando você consegue isso, você ajuda a quebrar estereótipos, a aproximar as pessoas e a contar não só uma história, mas várias histórias. A regra que eu percebo é que as histórias das populações menos favorecidas são contadas, mas não é editada a beleza das histórias. Então, só se conta delas histórias da ausência de quase tudo ou da presença da violência. Uma violência onde na maioria das vezes são vítimas, mas aparecem como protagonistas. Então, quando você conta outras histórias, você até chega perto da história da humanidade.

É preciso ampliar o nosso olhar?

O mundo existe porque as pessoas se aproximam pela beleza. E pela beleza, que eu digo, não só pelas belezas físicas. Quando você mostra a beleza, você aproxima as pessoas, ganha pessoas para querer ver as mudanças, para querer ver esses direitos espalhados a todo mundo. Como é engrandecedor para o fotografo, o artista, o jornalista, quando ele consegue fazer um trabalho compartilhado, quando ele consegue ficar dentro de uma comunidade quilombola, dentro de uma favela, o tempo suficiente para fazer um trabalho com intimidade e chegar às belezas das histórias não contadas.

Quais histórias você está contando agora?

Eu venho acompanhando populações tradicionais e recentemente estava acompanhando as populações de colhedores de flores. Você imagina que existem no Brasil flores que estão sempre vivas, nunca morrem? Na região de Diamantina (Minas Gerais), essas populações são delicadíssimas e guardam essas flores, sobem as montanhas e vão botando essas flores em grutas, cavernas ou lapas, como eles chamam; depois, descem em seus burrinhos, carregando essas flores. Hoje, estão vivendo conflitos, porque a criação dos parques nacionais, que é uma coisa super positiva, e estaduais, não levou em conta as populações que lá existiam. E hoje eles estão tentando lutar para serem reconhecidos. Essa luta pelo reconhecimento das populações tradicionais enquanto populações que têm que ter um reconhecimento diferenciado pelas suas características é uma coisa que está sendo impressionante documentar.

Que lição você tira destas experiências?

Quando você vive com estas pessoas, você vê que independente do seu contexto social, elas amam, elas gostam de namorar, gostam de fazer coisas boas, elas são pessoas propositivas. São pessoas que têm uma beleza como todo mundo tem e que merecem um carinho, uma atenção. E a melhor forma de apresentar esse carinho e atenção é com a imagem com a qual são mostradas, e sua história.

É o que pretende passar durante a oficina aqui em Palmas?

A oficina mostra a importância de elaborar, preservar e cuidar dessa produção da periferia, porque ela conta justamente essas histórias pouco contadas, ou quase nunca contadas. Vou tentar mostrar, com as minhas experiências, como é importante quebrar estereótipos, aproximar as pessoas. A gente vive um momento em que pulsa o ódio. Quando você aproxima as pessoas, você quebra isso, e é muito legal.

Dica do entrevistado

Assistam ao vídeo chamado O Perigo da História Única. É de uma escritora nigeriana chamada Chimamanda Adichie. Ela fala com uma propriedade fantástica isso que a gente está conversando e é um dos objetos fundamentais da oficina.

 

J. R. Ripper/Imagens Humanas

João Roberto Ripper/Divulgaçã

João Roberto Ripper/Divulgaçã

João Roberto Ripper/Divulgaçã