Foto de Felipe Bianchi
[Por Rita Casaro/SP*] Para os jornalistas e ativistas digitais que compareceram à entrevista coletiva com Pepe Mujica, organizada pelo Centro de Estudos Barão de Itararé, em 27 de abril último, na sede da entidade, em São Paulo, o encontro com o ex-presidente Uruguaio foi um fundamental momento para reflexão. Mais que trazer apoio àqueles que se mobilizam contra o ilegal processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, cuja abertura havia sido aprovada pela Câmara dos Deputados dez dias antes, o carismático líder da esquerda latino-americana lançou luz sobre questões essenciais em pauta hoje no Brasil.
Os caminhos da civilização humana, os sentidos da política, a relatividade dos triunfos e derrotas e a necessidade de se ter uma causa para viver foram alguns dos pontos abordados por Mujica. Em tempos de pragmatismo excessivo, hipocrisia generalizada e desesperança, as lições generosas desse militante, então prestes a completar 81 anos, 13 dos quais passados preso em condições desumanas durante a ditadura no Uruguai, podem ajudar a renovar a fé no futuro.
A seguir trecho da palestra e entrevista concedidas em clima de bate-papo e irreverência. Para quem quiser conferir, a íntegra está disponível no canal da TVT no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=5gASFaWjBic Para saber mais sobre Pepe Mujica, acesse o site http://www.pepemujica.uy/
A aventura humana
Provavelmente a civilização começou quando alguém em apuros gritou “ajude-me”. Como qualquer animal, temos uma cota de egoísmo saudável, porque temos que lutar por nossa vida e pela dos que amamos. Mas como somos um animal social, construímos a civilização, que se trata de uma solidariedade intergeracional desde os que descobriram o fogo e a roda até os que hoje desenvolvem a biologia molecular e inventam os novos computadores. É magnífico que vivamos hoje 40 anos mais que há 150 anos. Somos individualistas, mas por que socorremos solidariamente quando há um desastre? Porque somos egoístas, mas somos sociais também.
Estamos às portas de outra grande revolução; nos próximos 30 anos, teremos a inteligência robótica aplicada ao trabalho. Isso será positivo e negativo. Vai deixar muita gente desempregada, mas também nos livrará de uma grande quantidade de trabalho desumano. Não me parece mal que os robôs trabalhem para os homens, desde que seja para a humanidade toda e tenhamos mais tempo livre para viver. Essa é a batalha política das próximas gerações.
Viver por uma causa
Há coisas que não se compram, não têm preço. Não se pode ir ao supermercado e pedir mais cinco anos de vida. Assim como o afeto das pessoas, isso não é subornável.
Temos que dar conteúdo a nossa vida. Ou seremos apenas consumidores de supermercados, trabalhadores que perdem três horas por dia para ir e vir do emprego e vivem para pagar contas. É preciso ter uma causa e essa é se preocupar pela sorte dos demais.
Nós que lutamos pela igualdade no direito de navegar na aventura da vida, nas oportunidades. Isso define a posição filosófica perante a vida, na qual prima a solidariedade sobre o egoísmo.
Sou um homem feliz e vou morrer feliz porque vivo, sonho e caminho como penso para o que penso.
A política
É preciso administrar os conflitos para poder conviver e esse é o papel transcendente da política. Mas há os que reduziram a política a um simples receituário econômico sem pensar o que é o ser humano, a ética. Se cada um analisa sua vida, [perceberá que] provavelmente a decisão mais importante que tomou não tinha nada a ver com interesse econômico. A política não é uma profissão para o indivíduo enriquecer-se, é uma paixão superior. Não quero dizer que não existe interesse, mas é um interesse moral, de outro tipo. Quem deseja ganhar dinheiro que vá para a indústria, o comércio, multiplique a riqueza e pague impostos. A política não é para fazer dinheiro. Se a política é a expressão da maioria, é preciso viver como a maioria e não como a minoria.
Crise brasileira
Na sociedade, existem contradições. Quando a direita vence, é porque há algo favor. No caso do Brasil, o que havia a favor? Uma crise econômica mundial muito forte e a supremacia do capital financeiro que está condenando inclusive o capital produtivo, submetido à burguesia financeira, aventureira e especuladora. O governo precisa ter uma fortuna parada em reservas que não pode ser usada no desenvolvimento social.
Multiplicar o poder aquisitivo não é necessariamente multiplicar a consciência. O que sempre acontece na história humana: a pobre classe média tem medo de cair. Esse tema funciona em ciclos.
A corrupção é um problema do sistema político e tão velha quanto o Brasil. E há elementos muito próprios: como podem existir 30 partidos no País? Há 30 projetos políticos no Brasil? É preciso tecer todo um sistema de alianças para garantir a maioria no Congresso e isso ajuda a aprofundar a corrupção.
A direita tem o manejo dos meios de comunicação e os usa para criar uma subconsciência em que os defeitos da sociedade brasileira são mostrados como exclusivos do PT.
Os partidos progressistas devem aprofundar sua democracia, ser mais horizontal e menos piramidal. Os partidos são insubstituíveis; tem defeitos porque os homens os têm. Mas a história se faz em correntes e não por homens fenomenais. Temos que aprender com a igreja católica, que tem direção coletiva um comitê central, que define a linha.
O devir humano sempre teve uma face conservadora e uma igualitária. O termo direita-esquerda é muito recente, mas o que ele representa existe desde que o homem anda pela terra. A maioria dos avanços sociais são fruto da ação de pessoas de esquerda que, em algum momento, os defendeu e foram derrotadas. Mas essas ideias foram sendo assimiladas. Com o que acontece no Brasil agora, provavelmente vão se perder direitos, mas não tudo, porque a própria direita terá que negociar e ceder.
Triunfos e derrotas
Nunca triunfamos totalmente na vida, o verdadeiro triunfo é caminhar. Não há um prêmio ao final da vida, nem da individual nem da coletiva, o prêmio é o próprio caminho. Os únicos derrotados são os que deixam de lutar. A derrota é sentir-se impotente. Mas também nunca triunfamos definitivamente. É preciso ter a coragem de voltar a começar. Aprender com os erros, fazer melhor e perseverar.
Não me coloco a fazer balanço de erros no meio da batalha. Esperem e olhem de longe, agora é tempo de lutar. A história me ensinou que as organizações de esquerda se destroçam [nesse processo]. É preciso fazer autocrítica, mas à distância e com inteligência.
América Latina
Primeiro sou latino-americano, depois uruguaio. A grande causa dos latino-americanos é ser uma nação para ser alguém no mundo. Como negociar em paridade de condições estando atomizados em vários países. Inclusive o Brasil, que é grande para nós, mas pequeno para o mundo. A vantagem da integração é juntar o desenvolvimento, a inteligência. Nisso se joga o futuro. Sabemos que a maior riqueza hoje é o conhecimento.
* Jornalista sindical, integrante da Ciranda da Informação Independente e diretora do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé.