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[Por Henrique Acker] Li o artigo de Wanderley Guilherme dos Santos intitulado O QUE FAZER COM A REDE GLOBO DE COMUNICAÇÕES? É uma abordagem ampla do tema mas, francamente, não acrescenta muito ao que já se sabe sobre os tentáculos e o poder alcançado pelas Organizações Globo no Brasil. Não se pode tratar do tema a partir de conclusões exclusivamente político-ideológicas, embora seja válido fazê-lo. Ocorre que o fenômeno da comunicação de massas no Brasil tem a ver com alguns fatores, que acabaram se somando para a construção dessa verdadeira anomalia mega midiática em que se transformou a Globo. Vejamos esses fatores.

Fatores que favoreceram o império da Globo

O primeiro fator tem raízes exclusivamente políticas: a ditadura militar teve papel decisivo, não só na associação entre Globo e Time-Life, para formação da Rede Globo de Televisão, como na construção da infraestrutura necessária para fazer a TV chegar aos quatro cantos do país, via Embratel, com satélite e torres de transmissão.

O slogan “Integrar para não entregar”, era o prenúncio de que a Rede Globo teria papel determinante na comunicação de massa e propaganda do regime. E assim foi. Não por acaso a Globo se tornou o maior grupo de mídia da América Latina e uma das maiores do mundo.

Outro fator que determina o poderio político-midiático das Organizações Globo é a distribuição de recursos de publicidade governamental. De acordo com o Coletivo Intervozes, a Rede Globo de TV recebeu cerca de R$ 6,2 bilhões durante os governos Lula e Dilma, sem contar o total de recursos investidos pelo governo federal no Jornal O Globo e demais publicações do grupo neste mesmo período. A Globo fatura mais do que as mais fortes concorrentes juntas (Record, SBT e Bandeirantes).

Receita global

Mas a receita “milagrosa” das Organizações Globo tem a ver com a identificação do telespectador brasileiro em suas diversas faixas de interesse. E isso é feito a partir de pesquisas qualitativas e quantitativas, não há nada no chute.

Os três pilares da Globo até hoje são o Jornal Nacional, as telenovelas e o futebol. São programações que atendem a públicos distintos, mas que abrangem uma quantidade imensa de brasileiros em todo o país.

As telenovelas se dirigem majoritariamente ao público feminino, mas também respingam no masculino. Sua receita é alcançar o aspecto emocional, através do folhetim, com texto simples e até simplório, de fácil identificação e decodificação, cercado de fortes emoções (suspense, romance, traição, ambição, etc), o que estimula o imaginário popular.

Ao mesmo tempo a produção de novelas a partir da realidade da classe média alta do Rio e de São Paulo ajuda a ditar comportamentos, moda, costumes, etc, que vão alimentar a captação de anunciantes nos grandes centros urbanos do país.

O futebol está dirigido ao telespectador masculino, misturando o desafio da vitória e a fidelidade do torcedor com a comodidade de assistir o jogo de seu time em ambiente familiar ou com amigos, em casa ou num botequim, cercado de cerveja e bate-papo. Nada mais agradável para o brasileiro…

O Jornal Nacional é mais abrangente, visando a “família” em horário nobre, justamente aquele em que se supõe que o brasileiro médio está jantando na sala, com a TV ligada. Seu segredo consiste em selecionar assuntos e produzir reportagens que conduzam o telespectador, em doses homeopáticas e de maneira repetida, sempre a conclusões que favoreçam ao sistema em que vivemos, apelando ao conservadorismo na escolha de assuntos, na edição de imagens e na seleção de entrevistados/especialistas que vão “opinar” sobre os assuntos abordados.

Portanto, as Organizações Globo se constituíram como um fator determinante para a vida, os valores e muitas vezes as escolhas da população brasileira, sem que ela se dê conta disso. Com uma pitada de competência e marketing, a Globo é, sem dúvida, um dos grandes nós para a democracia no Brasil.

Quais são os desafios?

O primeiro deles é bem objetivo: é preciso formular um projeto de lei semelhante ao que está em vigor na Argentina, que impeça a qualquer grupo privado de mídia atingir com sua programação todo o território nacional, fator que deve ser exclusivo de emissoras públicas. Junto a isso deve ser instituído um órgão de controle e fiscalização da sociedade sobre as organizações de mídia, tal como existe em outros países.

O segundo é equilibrar as verbas de publicidade oficial entre as emissoras, deixando de lado, definitivamente, o critério de audiência, usado inclusive durante os governos Lula e Dilma, para repassar fortunas para as Organizações Globo.

O terceiro é fortalecer as organizações de mídia públicas, tal como existem em outros países: BBC, RAI, RTP, FT, etc. O maior passo para isso é aprender com a experiência da própria Globo, fortalecendo com os melhores profissionais o setor do jornalismo, criar núcleos de telenovelas e seriados para TV e oferecer aos clubes de futebol um contrato de exclusividade com a rede pública de mídia. Neste aspecto é preciso distinguir claramente a TV pública da TV estatal.

O desmonte do monstro em que se transformaram as Organizações Globo deve se dar exatamente pelo discurso da concorrência e do mercado. E só quem pode fazê-lo no Brasil, por mais paradoxal que seja, é o Estado brasileiro. Portanto, a democratização da mídia no Brasil passa pela possibilidade de um governo que tenha força no Executivo, expressão no Legislativo e respeito no Judiciário, mas, acima de tudo, respaldo nas ruas.