(José Luiz Proença * )
Turco louco explode a América. Quem sabe não seria esta a manchete do Notícias Populares na edição do day after ao 11 de setembro fatídico? Mas a cidade de São Paulo não foi apanhada de surpresa com mais uma “facada” do velho jornal.
Ele já estava sepultado há exatamente uma gestação, ou seja, deixara de circular no dia 20 de janeiro de 2001, quase nove meses antes da queda das “torres gêmeas”. Será que alguém, além de nós, antigos mancheteiros do NP, sentimos de fato a ausência de um título tão politicamente incorreto como este?
Tenho certeza que não. As grandes “sacadas” do jornal sempre extrapolavam seus leitores. Atingiam a todos, ou melhor, o id tumultuário e desregrado de todos nós (ver Marcelo Coelho no Prefácio do livro). Principalmente as redações de todo o País.
E o NP esgrimia como ninguém a retórica do sensacionalismo, um recurso disponível no arsenal do jornalismo e que pode ser legitimamente usado para a defesa de valores maiores, tais como a liberdade de expressão, a legibilidade e como forma de expressão da ira dos explorados. E esta última foi sua tônica principal. Ainda me lembro da observação de Leão Serva (editor-chefe em 1990), logo que assumiu o jornal, dizendo que nunca tinha trabalhado numa redação que se preocupava tanto com o leitor.
Era assim a escola do fundador do jornal Jean Mellé. A consulta aos contínuos para confirmar o entendimento dos termos da manchete era a fórmula encontrada para antecipar a legibilidade do título. Era um “jeito” de fazer um jornal para um público diferente dos jornalistas. Na maioria das publicações, o jornalista faz um veículo para ele mesmo. Ele é ao mesmo tempo o comunicador e o receptor daquelas informações. Os parâmetros de penetração são exatamente os seus.
E é aí que reside o grande fascínio do NP para os estudantes de jornalismo. Uma forma intuitiva de se comunicar, diferente dos padrões estabelecido pelos manuais de redação e suas regras de construção do lead.
Desde que entrei na faculdade de jornalismo, a Cásper Líbero, nos idos de 68, lembro-me do interesse de colegas e das várias tentativas de entrevistar Jean Mellé, que também nunca participava de palestras e mesas redondas.
Quando o convite era dirigido ao jornal, normalmente ia Ramão Gomes Portão, seu editor de polícia. Foi assim na I Semana de Jornalismo organizada pela ECA-USP em 69, que teve como tema o Jornalismo Sensacionalista e que resultou num dos primeiros documentos que se tem notícia sobre o modo de produção do NP.
Numa destas tentativas, Mellé acabou contratando duas estudantes da Cásper Líbero (naquele tempo eram poucas as mulheres na redação) como repórteres e redatoras, Rosa Batistela e Ema Cornaglioti. Com a chegada de Ebrahim Ramadan, o terceiro editor-chefe do NP, portas da redação se abriram não só para os formados como também para os estudantes e seus inúmeros trabalhos discutindo o NP.
E, sem dúvida, “Nada Mais que a Verdade” pode ser considerado o mais feliz deles. Não só por ser a primeira história do Notícias Populares, mas também por ter conseguido captar, nas várias versões dos entrevistados, o espírito do que foi um dos momentos mais ricos da história recente de nosso país.
A leitura feita dos exemplares da coleção, relegada aos porões da Barão de Limeira, trouxe à luz uma São Paulo (o NP foi essencialmente um jornal de metrópole) de uma vida noturna efervescente, uma época de bandidos românticos – mais malandros que violentos, e de personagens folclóricos, como o Pelezão.
Sem dúvida um tipo de jornalismo que me lembra a crítica de James Reston ao assumir a redação do NYTimes: “Não estamos cobrindo as notícias da mente como deveríamos”. Quem sabe o NP não foi capaz de cobrir os corações e mentes de boa parte do nosso povo?
Finalmente, sobre minha presença na redação, pouco importa que os autores tenham me tornado um ex-monge beneditino (nunca passei de um seminarista menor que fez o ginasial no Colégio de S. Bento), formado em Sociologia na USP (cheguei só ao segundo ano no curso da Sociologia e Política) e pai do bebê-diabo (na realidade criado por Waldemar de Paula).
No jornalismo, como na vida, o que importa não são os fatos, mas a versão. E a versão destes jovens autores abre portas para um entendimento muito mais amplo do que foi o fenômeno NP, sepultado por um novo tipo de jornalismo.
Se em seu início, o NP era sustentado pela fórmula CSS – Crime, Sexo e Sobrenatural, a fórmula do novo jornalismo popular poderia ser MPP, ou seja, Marketing, Preço e Panela. Melhor ainda, não seria este um tipo de jornalismo sem jornalistas e sem público; só de empresa e consumidor?
Bons tempos os do bebê-diabo!
( * ) José Luiz Proença é professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.
Ele trabalhou no NP por 17 anos.
especial para o iG Ler (igler@ig.com)