23º Curso Anual do NPC – Cobertura do Terra Sem Males
Vidas negras utilizam cultura e vivência na disputa de narrativa da luta de classes
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“Cultura e comunicação tem lugar de resistência, de disputa, de pertencimento e de sentidos”, resumiu a jornalista Tatiana Lima ao iniciar a mesa “A comunicação e a cultura na luta de classes e na luta de cada um”, realizada na manhã de sábado, 25 de novembro, pela programação do 23º Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC).
Doutoranda em comunicação na Universidade Federal Fluminense (UFF), ela expôs que sua vida como moradora de favela até os 21 anos atravessa seu olhar de pesquisadora. “A favela é descolonial, os muros são plataformas de comunicação. O modo de ser, de sobrevivência, já é contra-hegemônico”. Em sua pesquisa, ela pensa o Complexo do Alemão como espaço de comunicação e os moradores como comunicadores. “A galera da favela nunca foi alienada”, define.
A também jornalista e pesquisadora Renata Souza acabou de defender sua tese de doutorado em mídias e mediações sociais e se define como “cria da Maré”. “Tem gente que passa pela favela. Que não se identifica nesse espaço de resistência”. Ela destacou a formação da mesa para o debate sobre cultura promovido pelo NPC. “Essa mesa é preta. Dá lugar de fala a quem tem que falar. E estar nesse lugar hoje não tem nada de mérito. As oportunidades não são iguais. A gente tem que disputar discursos”.
Renata falou sobre a importância do 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, que surge para combater a farsa da abolição e do 13 de maio. Ela criticou debates suscitados com o viés de “consciência humana” e afirmou que dizer “somos todos mestiços” não ajuda na construção contra o racismo. “Feminismo e racismo é a base da luta de classes”, defende.
A jornalista denunciou a ação policial e do exército nas favelas do Rio de Janeiro. “Não existe democracia na favela, o estado de sítio é constante. São corpos negros que podem ser matáveis, que podem ser eliminados”. Ela também chamou os sindicatos para se posicionarem. “Os sindicatos têm responsabilidade nesse embate discursivo. A luta de classes tem que estar colocada nos jornais”.
A terceira mulher negra a falar na mesa foi Adenilde Petrina, comunicadora popular em Juiz de Fora (MG). Ela contou que a comunicação se faz também com teatros dos oprimidos, com rádio comunitária, com jornais, com rodas de conversa, encontros. “É importante não silenciar e falar das opressões”. Ela falou sobre o coletivo Vozes da Rua, que agrega jovens, idosos, crianças. “A gente pensa a realidade que vive, tem teoria para explicara partir de nossa vivência. Para saber sobre nós eles (os teóricos e intelectuais) precisam ler um monte de livro e para a gente, basta viver”, ensinou. “A gente precisa transformar e o conhecimento é a ferramenta de transformação”, nos inspira Adenilde.
Adenilde criticou o fechamento em 2007 das rádios comunitárias do Brasil pela Polícia Federal, que era um importante espaço para que todos pudessem se expressar e para “se escolher o que se quer saber”. “A comunicação popular nos representa, mas ela não pode ser de massa. Se você é de massa, você perde da capacidade de pensar. Os meios de comunicação popular ajudam a democratizar a mídia”.
Ela trouxe para o NPC os meninos do coletivo Slam, que fizeram apresentações culturais sobre feminismo, racismo, luta LGBT, da mãe que cria o filho na favela. “A poesia ressignifica a rua, seu povo, sua luta. É uma forma poderosa de comunicação que trabalha o sentimento”.
O local de formação de base, na cultura da favela e das periferias é o da escuta. “As manifestações de rua não representam a gente, pois não ouvem a periferia. Se você não ouve, você não tem o que falar e você não tem estratégia para nos puxar para a rua”, nos ensina Adenilde Petrina.
Douglas Belchior, da Uneafro São Paulo, centrou sua fala na importância da participação política dos pretos e pretas. “A medida da desgraça do nosso opressor é também a da nossa força”. Ele situa a luta contra a opressão desde a invasão e colonização do Brasil a partir de 1500. “Trazemos marcas ancestrais de traumas, dores, mas também de resistência e vitórias”. Ele afirma que o povo brasileiro não estuda sua própria história e que é como a escravização não tivesse acontecido.
Para ele, a importância da política de cotas foi percebida primeiro por quem critica e luta contra. “Eles sabiam que três pretos numa sala onde só tinha um faria toda diferença. As elites gastam todo o seu fôlego para nos desmobilizar”.
Encerrando a mesa, Rafael Calazans, do coletivo Papo Reto falou sobre a importância da música, do funk, na construção de identidade das crianças nas favelas, que têm acesso precário à educação formal, mas se expressam escrevendo música, cantando o que enxergam da janela de suas casas. “O funk é a expressão do que a gente é. O mundo a partir da janela que a gente abria, com brincadeiras para dar outro sentido, outro significado ao lugar”.
Calazans definiu a formação da mesa, que representa “o que a gente mais luta para conquistar: a cultura da identidade preta”.
Por Paula Zarth Padilha
Fotos: Annelize Tozetto/Revista Vírus
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