[Por Cora Rónai em O Globo 2.8.2018] Na segunda-feira de manhã, bem antes do “Roda Viva” ir ao ar, meu amigo Fernando Cañadas fez uma breve visita ao futuro e trouxe informações sobre o resultado da entrevista com Bolsonaro: “Seus eleitores vão dizer que ele ‘mitou’, seus opositores vão dizer que foi ‘humilhado’ e os isentões vão dizer que foi mais ou menos”.

A previsão é mais ampla do que o Fernando imagina. Este promete ser o resultado de todas as entrevistas do candidato, pelo menos enquanto os jornalistas o confrontarem como um boçal truculento que precisa ser desmascarado. Bolsonaro não tem a quantidade de eleitores que tem porque eles não sabem que o seu candidato é um troglodita que sente saudades da ditadura; pelo contrário. Eles sabem — e é justamente isso que os atrai. Assim como os eleitores de Trump, eles querem alguém que não tenha medo de ferir as suscetibilidades contemporâneas, um homem que pouco está se lixando para o politicamente correto e que promete por ordem na casa.

Esses eleitores perdoam-lhe qualquer coisa porque, para eles, a mídia é um ninho de militantes de esquerda que antagoniza o seu herói. Cada vez que um jornalista tenta arrancar de Bolsonaro alguma declaração absurda a favor da ditadura ou contra os movimentos sociais reforça essa percepção; cada vez que repisa uma barbaridade antiga, ele cresce, porque já respondeu incontáveis vezes sobre episódios que ninguém desconhece, e já encontrou a fórmula certa para agradar na sua bolha.

Enquanto isso, perde-se a oportunidade de mostrar para os eleitores indecisos, que são os que realmente importam, quem Bolsonaro é para além do óbvio — o seu absoluto despreparo, a sua falta de qualquer projeto de nação, a sua irrelevância como parlamentar, a sua incapacidade de fazer alianças e de dialogar. O passado do candidato esses eleitores indecisos já conhecem; é preciso mostrar a eles como lhe faltam ideias em relação ao futuro. Não à toa, as suas respostas mais reveladoras no programa foram dadas às perguntas que menos tinham a ver com as suas inclinações pessoais — mortalidade infantil, desemprego no campo, economia.

Bolsonaro não é uma curiosidade midiática, uma celebridade bizarra. É candidato à presidência com um número alarmante de eleitores. Está devendo muitas respostas em relação ao seu trabalho, aos seus planos e ideias. Como planeja governar o país, se nem um vice consegue para a sua chapa? Com quem vai governar? Como explica ter passado 30 anos vivendo às custas do dinheiro público sem nada ter realizado de relevante? Por que nunca apresentou um bom projeto para a segurança pública, já que supostamente é especialista no assunto? De onde pretende tirar recursos para a educação e para a saúde? O que entende por cultura?

Infelizmente, o “Roda Viva” está perdendo chance após chance de mostrar para os eleitores quais são as propostas dos candidatos. Salvo raras exceções, os jornalistas das suas diversas bancadas parecem mais empenhados em marcar pontos com os seus seguidores nas redes sociais do que em buscar respostas reais a problemas atuais. A essa altura, o eleitor já conhece o compasso moral dos candidatos; o que ele precisa saber agora é como eles pretendem descascar o abacaxi.