[Por Gabriela Gomes-NPC] O Quintas Resistentes voltou no dia 4 de junho da melhor maneira possível, trazendo um dos grandes mestres do samba: Noca da Portela! Em 2013, desde a estreia do programa, diversas personalidades vieram para falar sobre suas vivências, lutas e as variadas formas de resistência durante o período da Ditadura Civil-Militar. Agora em 2020, devido à pandemia de Covid-19 que o mundo enfrenta, o formato do programa está em versão apenas versão online. As entrevistas continuam sendo realizadas em formato ao vivo! 

O primeiro convidado neste ciclo, Osvaldo Alves Pereira, mineiro de origem e carioca de coração, contou algumas histórias desde a infância até os dias atuais! Noca, como é conhecido, viveu a época de garoto no bairro do Catete. Desde criança teve gosto pela música.

O samba e a militância foram legados do pai, inclusive. Aos 14 anos teve seu primeiro prêmio que ganhou com o enredo que contava a história da Independência do Brasil, chamado “Grito do Ipiranga”. Apesar da relutância do pai, Ernesto Domingos de Araújo, no início da carreira do filho, afinal na época o ritmo era considerado “negócio de vagabundo”, Noca se fez sambista.

“Ele queria que eu fosse piloto, mas acabei dobrando o velho depois que ganhei nota dez e ele deixou que eu seguisse meu destino de compositor”, relembra ele. Um grande feito, foi a música “É preciso muito amor”, sucesso até hoje que possibilitou comprar sua casa. 

Com 87 anos de vida e mais de 60 anos de carreira, Noca coleciona títulos e prêmios que conquistou ao longo de sua carreira. Além da Portela, no Rio, passou por escolas como Tuiuti, Mangueira, Vila Isabel, entre outras! Fora o samba-enredo que compôs para escolas de todo o país, Manaus, Belém, São Paulo, Minas Gerais e por aí vai. 

Ex-secretário de cultura, com 480 músicas gravadas, ganhou uma biografia escrita pelo professor Marcelo Braz que conta sua trajetória e seu currículo extenso.

O engajamento político e censura as suas letras

“Noca da Portela e de todos os sambas”, biografia sobre a vida e obra do músico, escrita por Marcelo Braz. Dois exemplares foram sorteados ao fim da entrevista ao vivo.

Suas composições, que desde sempre trazem um meio de crítica social e política, durante a ditadura militar, sofreram bastante censura. Noca se vangloria de ter participado de todos os movimentos democráticos que ocorreram no país e se considera um grande soldado da democracia desta época: “Eu sou considerado o compositor de samba mais politizado e isso me orgulha muito”, afirma emocionado. 

“Virada”, composta por ele, foi um hino no movimento Diretas Já. Apesar do sucesso, ele e os amigos ligados à música, eram proibidos de dar opinião e as músicas de Noca foram censuradas, já que quase todos os sambas tinham um cunho social.

O sambista contou que era preciso mascarar as letras para conseguir enganar os militares durante o período. “Eu consegui dar um drible neles quando eu fiz a ‘Virada’ porque coloquei o nome da minha esposa!”, mas ainda assim diz que foi intimado pelos militares a dar explicações.

“O que adianta eu trabalhar demais/ Se o que eu ganho é pouco/ Se cada dia eu vou mais pra trás/ Nessa vida levando soco/ E quem tem muito/ Tá querendo mais/ E quem não tem tá no sufoco”, trecho da letra que Noca explicou ter sido uma homenagem ao trabalhador. 

Quando questionado sobre o samba como meio de comunicação de massa ser uma forma de protesto das camadas populares, ele deixa claro que é necessário usar essa voz: “Vamos parar de fazer carnaval de mentirinha, tem que colocar a verdade do nosso povo”.

Muito ligado à família, faz questão de passar esse conhecimento para os netos que já gravaram sambas com ele como “Direitos da Mulher” e “Pais e Filhos”, que inclusive acredita refletir o momento atual do Brasil. 

Saudoso, seu Osvaldo ainda lembrou alguns de seus companheiros politizados como Paulo da Portela, Zé Kéti, Nelson Cavaquinho entre tantos outros que fizeram parte da vida do sambista. Para ele, a juventude da Portela, está seguindo os mesmos passos: “Eu aprendi com o pessoal da antiga e eles estão aprendendo comigo, isso me dá um orgulho e um prazer imenso!”.

No atual cenário político do país, Noca acredita que quem tem a força é o povo, o trabalhador e quem tem sabedoria jamais vai pedir o fim da democracia. E deixou o recado: “A cara do Brasil somos nós, gente com cara do povo. O povo tem a cara, a nossa cara que tá aí!” 

Para assistir esse programa e as edições anteriores do Quintas Resistentes, acesse:

NUCLEOPIRATININGA.ORG.BR/QUINTASRESISTENTES