Igor de Sousa*

Quer queiramos ou não estamos em guerra. Em múltiplos sentidos e talvez nem
de todos tenhamos a real dimensão do que está por vir. Os números de mortos por
conta do novo Corona vírus são de conflitos armados, e somente no Brasil hoje temos
uma média de mil mortes por dia, e 130 mil pessoas mortas em um desfecho que parece
estar longe de chegar. Junto ao já estarrecedor número de mortos, temos um cenário de
esfacelamento da economia real, com amplos setores sendo empurrados para a
hiperexploração, desmonte da ação do Estado em defesa dos mais vulneráveis e
demissões em massa, tendo em vista um formato de vida cada vez mais virtual.
Somados a isso temos um governo federal com baixíssima capacidade de pautar-se por
interesses nacionais, públicos e democráticos, nos empurrando ladeira abaixo no cenário
de tragédia já anunciada há tempos e coroada com uma crise ambiental que aplaude a
idiotice.
Muitos têm falado em uma grave crise civilizatória, ou seja, de nossa
incapacidade em residir no planeta em que habitamos de forma saudável, para nós e
para o próprio planeta. Na crise posta, há uma última barreira e sem dúvidas a mais
importante, os povos e comunidades tradicionais. Estes tem feito um esforço titânico
para defender a si mesmos, seus modos de vida e tudo que representam. Frente a nossa
incapacidade, os povos com autonomia territorial têm se protegido do vírus,
assegurando alimentos saudáveis e a garantia de isolamento social de centros de
contaminação e difusão de morte, ou seja, nós e nosso modelo de vida são o problema.
O problema é o capitalismo e tudo que a ele é intrínseco: racismo, machismo e
exploração de nós e do mundo que nos cerca.
Ao falar disso, um componente nos salta aos olhos, o fator raça, são os não-
brancos os que mais tem morrido, mas ao mesmo tempo são eles os que mais tem
resistido e tentado assegurar um outro mundo possível. Iniciativas e reinvenções têm
sido potentes nesse momento, intercalando a relação direta entre corpo, raça e território.
Ou seja, ao pensar em explorações e na necessidade de fazer frente a elas, tem-se
apontando que o primeiro território é o próprio corpo e todo debate de gênero a ele
ligado, este por sua vez está conectado com o território físico e espiritual que estes

povos habitam, em sua defesa das florestas, cerrados e águas. E estes são territórios
racializados, ou seja, alvos da ganância branca e seus aliados no sul global.
Apostar em um mundo por vir, é agir sobre o mundo dado, é reinventar práticas
e se insurgir. Neste movimento, em que as respostas estão abertas, uma coisa é fato:
levar a raça para o centro dos debates é indispensável e junto com ela as opressões
associadas e insistir na autonomia territorial é o único caminho para que possamos
continuar a povoar esse mundo e nesse sentido, os povos e comunidades tradicionais
são o freio do trem desgovernado.

*É antropólogo e assessor da Cáritas Brasileira Regional Maranhão. Autor do livro
“Movimento quilombola no Maranhão: estratégias políticas da ACONERUQ e MOQUIBOM”.