por THAÍS CAVALCANTE – em NOTÍCIAS LOCAIS
Apandemia de COVID-19 e o distanciamento social fizeram com que veículos de comunicação de todo o mundo investissem no compartilhamento da informação online. Estão inclusos neste movimento os veículos oriundos de favelas e periferias do Brasil. Utilizados em formato físico, áudio e digital, esses meios apostam cada vez mais no compartilhamento de conteúdo através da internet.
Ainda que as ferramentas disponíveis sejam básicas e a conexão não favoreça amplamente as áreas de mais vulnerabilidade social, os veículos de jornalismo local perceberam como oportunidade de comunicação e criaram soluções para manter e expandir sua audiência, praticar a sustentabilidade e até projetar crescimento.
Neste artigo, abordamos três estratégias para o jornalismo local.
Concentre-se nos desertos de notícias como o Atlas da Notícia
O Atlas da Notícia, projeto de jornalismo de dados que mapeia o jornalismo local no Brasil, destacou em sua quarta edição o aumento de 10,6% nos veículos locais que possuem presença forte no formato digital – enquanto o impresso caiu drasticamente. A importância neste mapeamento frequente é ser uma ponte para o deserto de notícias que existe em todas as regiões brasileiras. O Rio de Janeiro, por exemplo, aparece no Atlas como o Estado brasileiro com menos desertos de notícias e o terceiro da lista da região Sudeste com mais veículos jornalísticos. Não à toa, os próximos tópicos desta lista destacam iniciativas da cidade carioca.
“O mapeamento tem valor ao identificar geograficamente os municípios que carecem de jornalismo local. É um conhecimento para que organizações, acadêmicos e empreendedores possam agir frente a essa realidade”, explica Sérgio Spagnuolo, coordenador de dados do Atlas da Notícia e bolsista Knight do ICFJ. Questionado sobre como estimular a criação de jornais, ele afirma que é necessário o fortalecimento das instituições democráticas e incentivos financeiros para a sustentabilidade de iniciativas. “Isso pode tomar muitas formas, desde políticas públicas até programas privados.”
Invista no engajamento virtual como a Voz das Comunidades
O jornal Voz das Comunidades, fundado pela organização não-governamental do mesmo nome, possui impresso com 10 mil exemplares e é o veículo de comunicação local do Rio de Janeiro com maior presença online. Diariamente, compartilha notícias sobre as favelas cariocas enquanto suas páginas de Facebook, Instagram e Twitter já somam mais de meio milhão de seguidores.
Para ir além de colecionar seguidores, o jornal dedica parte de seu tempo ao engajamento virtual de comunidades — ação que cresceu ainda mais no último ano. A comunicação direta com o leitor acontece em grupos no aplicativo de mensagens WhatsApp e grupos no Facebook — o segundo erroneamente percebido como uma rede social “morta”. No Brasil, o que motiva seus usuários são justamente os grupos, explica uma análise do Núcleo Jornalismo.
“A gente não informa apenas os moradores, nosso projeto é metade comunicação e outra metade serviço social. A população quer saber o que está acontecendo no dia a dia e nós estamos próximos porque sabemos que eles querem estar próximos”, conta Melissa Cannabrava, jornalista e coordenadora de comunicação da ONG. Ela afirma, ainda, que esse relacionamento local foi construído durante anos e os grupos de WhatsApp são a principal ferramenta utilizada hoje em dia.
O resultado do engajamento e da mobilização online é real: Cannabrava cita que sua equipe administra pelo menos 15 grupos cheios no WhatsApp, cerca de 3.500 membros. “É interessante pra gente manter grupos nas redes. A gente não precisa ficar procurando pessoas porque elas já estão lá. Deixamos as pessoas livres para postar qualquer coisa, assim eles têm um diálogo mais direto também com os nossos repórteres que buscam pautas”. Os moradores conhecem tanto os grupos digitais quanto o espaço físico e colaboradores do jornal com sede no Complexo do Alemão. Eles os visitam tanto para denunciar algum problema em sua região, sugerir acontecimentos inéditos, personagens ou até para pedir doações de alimentos – papel realizado pela ONG durante a pandemia.
Produza seus próprios dados para criar narrativas como o data_labe
O data_labe é um laboratório de dados que existe dentro do Conjunto de Favelas da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro. Seu grupo de atuação é feito por moradores de territórios populares atuantes nas áreas de gestão, jornalismo, design e pesquisa, construindo narrativas através de dados. Sua produção de conteúdo em formatos que vão do podcast à reportagem especial apresenta uma linguagem criativa e local que funciona bem no digital.
A partir da definição dos questionamentos sociais de diferentes recortes, a equipe do data_labe consegue ligar diferentes informações e formatos, como gráficos, números e depoimentos, trazendo à luz histórias nunca antes exploradas, mas vividas diariamente pela população periférica. Assim como a invisibilização social é uma estratégia, a construção de narrativas do grupo para combater esse problema também se propõe a ser. Para encontrar respostas, a equipe cobre áreas de jornalismo, formação e monitoramento e geração cidadã de dados, através de pesquisas locais, entrevistas e análise.
“Somos muitos e seguimos carregando nas costas o peso das desigualdades de um país com vícios e operações coloniais”, escreveu o CEO do date_labe, Gilberto Vieira em um post no Medium. “Durante esse ano pandêmico, o data_labe olhou ainda com mais cuidado para as relações entre gênero, raça, classe e território, sempre dedicado a levantar, analisar, cruzar, visualizar dados para ajudar na construção de uma democracia de fato.”