Por Rosângela Gil, de Santos, novembro de 2004
A professora de História Contemporânea da USP, Maria Aparecida de Aquino, dá ênfase às palavras “isso é uma falácia” para referir-se ao que dizem os governos estadunidense, inglês e israelense, de que agora, após a morte do líder palestino Yasser Arafat, será possível chegar-se a um acordo entre os dois povos. “Arafat não impedia o acordo nem a paz entre eles. Ao contrário, ele levou a luta do povo palestino para o mundo todo”, observa.
A seguir, a professora da USP fala sobre a luta do povo palestino por um território, sobre o líder que teve a coragem de admitir o direito do povo israelense ter o seu próprio país e como fica a situação conflituosa do Oriente Médio com o desaparecimento de Yasser Arafat.
Yasser Arafat morreu aos 75 anos de idade, com múltipla falência de órgãos, no dia 11 de novembro, em Paris.
Boletim NPC – Por que o palestino não tem ainda o seu próprio Estado?
Maria Aparecida de Aquino – Na realidade, temos de pensar a questão da Palestina desde a antigüidade. Pensar o que hoje é o território da Palestina, após a primeira Guerra Mundial e depois no momento em que há uma ocupação judaica bastante pronunciada e mais tarde no momento em que acontece a criação do estado de Israel.
Se nós tomarmos os anos de 1920, 1922, vamos ver que no término da primeira Guerra Mundial há uma certa divisão entre perdedores e, no caso, o Império Otomano, é perdedor, e a França e a Inglaterra um pouco dividem o antigo império entre si. E a região, hoje ocupada pela Palestina, que nós chamamos de Palestina, é uma região que vai caber à Inglaterra. Então, aí se recupera o nome da antigüidade de Palestina e vai se tratar o território como palestino. Ali havia pessoas que viviam há muito tempo naquela região. Acontece que desde o final do século XIX nós vamos ter um movimento chamado sionismo. Nós vamos ter uma chegada cada vez mais constante e intensa de judeus que vêm do mundo inteiro, dizendo que a Palestina é a sua terra, reivindicando um direito de antigüidade, como a terra prometida. Esse movimento se acentua com a II Guerra Mundial e com a perseguição que eles vão sofrer durante o nazismo. Conseqüentemente, após a II Guerra Mundial, em 1947, a ONU (Organização das Nações Unidas) vai sentir a necessidade de tomar uma providência em relação àquela região, onde já havia conflitos entre judeus e palestinos.
O que acaba acontecendo é que a ONU propõe a criação de um Estado de Israel e de um estado Palestino. Isso em 1947. Nada foi feito concretamente. Em 1948, como nada foi feito, o que vai acontecer é que os judeus criam, unilateralmente, um Estado. Nas fronteiras como haviam sido estabelecidas pela ONU. O tempo passa. As coisas vão acontecendo. E, com o passar do tempo, diversas guerras na região fazem com que os judeus ampliem seu território. Ampliação essa que se torna definitiva em 1967 com a guerra dos seis dias, quando todo o território da Palestina é tomado pelos judeus. Isso vai criar uma série de problemas e aí você observa que aquele Estado que a ONU havia previsto para o povo palestino acabou não acontecendo. É isso que está em ainda questão hoje. Quando, em 1993, cria-se a Autoridade Nacional Palestina, ANP, pretende-se que ela seja já um embrião do que viria a ser um Estado palestino. Eu sou uma das pessoas que acreditam que cedo ou tarde ele [o Estado palestino] virá.
Boletim NPC – E essa é a luta de Yasser Arafat.
Maria Aparecida de Aquino – Essa é a luta de Yasser Arafat. Ele é um homem tão importante porque ele coloca (ou recoloca) a questão da necessidade de um estado palestino de pé. Ele é o responsável por isso. Em 1958, foi criada a Al-Fatah. Yasser Arafat já está na Fatah, que é um movimento armado. Em 1964, cria-se a Organização para a Libertação da Palestina, OLP. Já começa a ter uma grande mobilização muito organizada. Em 1969, Arafat passa a chefiar a OLP. Em 1974, graças à sua luta, a ONU acaba reconhecendo a OLP como a digna representante do povo palestino. Em 1988, Yasser Arafat, numa medida unilateral e até bastante corajosa de sua parte, vai a ONU e diz: “Eu reconheço o Estado de Israel”. É desse homem que estamos falando. Então, toda a luta contemporânea dos palestinos pela criação do seu Estado, ela, na realidade, tem a mão de Yasser Arafat.
Boletim NPC – Professora, Estados Unidos, Ariel Sharon, Tony Blair, principalmente, apressam-se em dizer que agora, após a morte de Yasser Arafat, abrem-se grandes possibilidades de um acordo entre os dois povos. Isso é verdade?
Maria Aparecida de Aquino – Na realidade isso é uma falácia. E a gente deve lutar com todas as forças para que essa falácia seja destruída. Arafat nunca foi impedimento para a paz. Nunca. Nunca foi impedimento para assinaturas de acordos. Tanto que ele foi criticado pelo seu próprio povo por ter aceito, em 1993, aquele acordo que começou em uma reunião em Oslo, em 1992. E depois, em 1993, ele vai ser assinado e passa a ser chamado de Acordo Gaza-Jericó, e que vai criar a Autoridade Nacional Palestina. Ele foi muito criticado porque o acordo era muito difícil, criava uma série de descontinuidades no território que iria ser o estado palestino.
Em 2000, na realidade, o que acaba acontecendo: Arafat se nega a assinar um novo acordo proposto por Ehud Barak, premier israelense, na medida em que ele percebe os mesmos problemas anteriores ali assaltando e criando muita dificuldade em estabelecer um estado palestino futuro.
Na realidade, Ariel Sharon e o Likud são os mais radicais. Eles é que são um problema para a construção da paz. Eles são os grandes impeditivos dessa construção da paz. E são eles que lançam essa idéia de “com Arafat não dá para fazer”. Pois como com Arafat não dá para fazer?! Outras coisas que eles diziam também: “ele não consegue, porque não quer, conter as manifestações mais radicais”. É preciso lembrar que, nos últimos dois anos de sua vida, Arafat foi confinado em Ramallah. Como ele poderia conter eventualmente qualquer arroubo mais radical do Hamas, Jihad Islâmico ou de qualquer outro grupo palestino? Então, dizer que Arafat impedia a paz é uma falácia.