Para o pesquisador Venício A. de Lima, estrutura historicamente concentrada dos meios de comunicação — que permite a propriedade cruzada — deveria receber atenção. Por Ana Manuella Soares, agosto de 2004.
Sociólogo, jornalista e publicitário. Mestre, doutor e pós-doutor em Comunicações pela Universidade de Illinois (EUA) e pós-doutor pela Universidade de Miami-Ohio. Foi fundador e primeiro coordenador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (Nemp) da Universidade de Brasília (UnB). É professor do curso de Comunicação Social do Instituto de Ensino Superior de Brasília e membro do Conselho de Acompanhamento da Programação de Rádio e Televisão (CAP) da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Autor, entre outros, de Mídia, Teoria e Política (foto, Ed. Perseu Abramo). Para Venício, os principais problemas da mídia brasileira não estão ligados ao exercício profissional.
NPC. Qual a sua opinião sobre a criação de uma autarquia para a fiscalização do exercício profissional do jornalismo?
Venício Lima. Na impossibilidade – que parece ser legal – da fiscalização ser exercida pelos próprios sindicatos de jornalistas, sou a favor da criação de um espaço institucional independente, não autárquico, composto também por outros setores da sociedade que sirva de instância institucionalizada para a fiscalização ética do exercício profissional. Acredito que, tendo em vista as características específicas da profissão de jornalista, justifica-se plenamente a presença de outros segmentos da sociedade, a exemplo, aliás, do que já ocorre em alguns países.
NPC. Como avalia a disposição do governo Lula de criar o Conselho Federal de Jornalismo?
Venício Lima. O governo atende a uma reivindicação da FENAJ que acredita ser a entidade representativa da maioria dos jornalistas. Os principais problemas da mídia brasileira, no entanto, não estão ligados ao exercício profissional dos jornalistas mas à estrutura historicamente concentrada que permite, inclusive, a propriedade cruzada.
NPC. Como vê a crítica da oposição e dos representantes das empresas privadas de mídia à criação da autarquia?
Venício Lima. As empresas privadas de comunicação são contra qualquer iniciativa que seja percebida como uma forma de controle das suas atividades. Elas imediatamente rotulam a iniciativa de censura e invocam, sem mais, a liberdade de imprensa como uma extensão da liberdade de expressão. Na verdade, contrariamente a qualquer outra atividade econômica, a mídia no Brasil acredita que ela deve funcionar sem responder a nada ou a ninguém. Neste sentido elas sempre tentam mobilizar a opinião pública contra qualquer possibilidade de mudança. Não é por outra razão que existe um limbo legal na área de comunicações cujo principal emblema é o Código Brasileiro de Comunicações de 1962, ainda em vigor.
Quanto à oposição, ela usa o projeto do CFJ para combater o governo fingindo-se de defensora das liberdades civis. Para quem tem memória não é difícil recordar que alguns dos que agora estão preocupados com a liberdade dos donos de jornais e revistas são os mesmos que deram sustentação aos 21 anos de regime autoritário no Brasil.
NPC. Em recente artigo publicado na Folha de S. Paulo, o presidente da Fenaj, Sérgio Murillo, e o primeiro-secretário da entidade, Aloísio Lopes, afirmam que não abrem mão de fiscalizar a profissão de jornalista e que “Não pretende o CFJ fiscalizar as empresas (…) tampouco interferir na linha editorial dos veículos de comunicação”. Estas afirmativas dos dirigentes da Federação não constituem uma contradição em relação a justificativas desta mesma entidade de que o conselho protegeria o profissional contra “posturas inadequadas dos donos da mídia”?
Venício Lima. O texto da FSP não deixa nenhuma dúvida quanto a essa contradição.
NPC. Na sua opinião, jornalistas formam uma categoria de profissionais liberais ou de trabalhadores assalariados?
Venício Lima. Os jornalistas que conseguem trabalhar são, na sua imensa maioria, assalariados.
NPC. Como vê a atuação dos sindicatos de jornalistas no Brasil?
Venício Lima. Os sindicatos precisam ser fortalecidos sobretudo com a sindicalização dos milhares de novos jornalistas que saem dos cursos de jornalismo e não encontram emprego. Isso precisa ser feito simultaneamente à implementação de uma política pública que valorize a mídia alternativa e os sistemas estatal e público. É bom lembrar que nos países onde existem Conselhos de Jornalistas os sindicatos foram enfraquecidos.
NPC. Você acha que a sociedade, leitores e telespectadores, estão devidamente informados sobre o direito à informação e à comunicação social no Brasil?
Venício Lima. Claro que não. A mídia privada não discute o seu papel na sociedade. Na verdade, os veículos mais importantes omitem o papel político de legitimação do regime militar por eles desempenhado. Mais ainda, tentam re-escrever a história, falseando sua participação em momentos críticos da luta pela redemocratização do país.
NPC. Na sua opinião, a Ética do fazer jornalístico é um código que diz respeito apenas aos profissionais ou a toda a população?
Venício Lima. Não. Como já afirmei acima, a ética jornalística certamente interes
sa a toda a sociedade.<
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NPC. Como analisa o projeto da Fenaj em relação à prática da imprensa sindical e popular?
Venício Lima. Não creio que os autores do projeto tivessem em mente a imprensa sindical e popular. Mas, independentemente disso, claro que qualquer jornal ficaria sujeito à fiscalização do CFJ.