Entrevista com o professor de história Aurélio Fernandes
[Por Jéssica Santos*] Aurélio Fernandes se apresenta como um comunista brizolista. O professor de História da rede estadual do Rio de Janeiro atua em movimentos de favela, foi dirigente sindical e tem em seu histórico de luta a militância no PDT junto ao Brizola. Ele foi o convidado do “Quintas Resistentes” do dia 17 de março para falar sobre o tema “Cem anos de Brizola”.
Ao refletir sobre como definir Brizola, Aurélio aponta alguns caminhos. “Ele era uma liderança. Um nacionalista revolucionário, antiimperialista, profundamente antiimperialista”, aponta. Brizola não tinha ilusões com a democracia burguesa e sua vida política foi marcada pela luta por um Brasil e América Latina livres.
Resistência é, de fato, uma palavra que marcou a trajetória de vida do engenheiro Leonel Brizola. Sua liderança na campanha da Legalidade, mobilização ocorrida em 1961 após a renúncia de Jânio Quadros, foi um dos destaques da entrevista. “Talvez esse seja um dos únicos golpes que foi adiado pela pressão popular na América Latina”, afirma Aurélio.
Ele conta que já havia uma perspectiva de golpe em 1954, adiada com o suicídio de Getúlio Vargas. Quando em 1961 acreditava-se que o golpe já estava dado, Brizola fez uma grande articulação para mobilizar a sociedade. Em uma “sacada espetacular”, como afirma Aurélio, ele requisitou os equipamentos de uma rádio, e passou a transmitir informações sobre a Legalidade. “É impressionante que a rede da Legalidade tivesse versões em francês, alemão, árabe. Ela funcionou direto, o tempo inteiro, pedindo apoio internacional e mobilizando a população inteira”, destaca Aurélio
Brizola adia o golpe definitivo em três anos, mas não consegue impedir a implantação do Parlamentarismo como condição para que Jango assumisse o governo. Aurélio se recorda que, em uma das comemorações da Legalidade, após a exibição do documentário de Fernando Brito sobre o tema, Brizola contou que fazia uma autocrítica ao que tinha sido feito na ocasião, dizendo que não deveria ter aceitado o parlamentarismo, que deveria ter passado por cima do Jango, prendido os golpistas e convocado uma Constituinte. “Isso demonstra claramente que o compromisso dele era com a mudança, era fazer acontecer. Temos que tomar cuidado com a definição de reformista. Esse não é o comportamento de um reformista. Um reformista não tem essa lógica de enfrentar e superar as instituições que estão dadas e construir outras.”, destaca Aurélio.
Após 1961, o contexto era de efervescência dos movimentos sociais, com mobilizações e surgimento de novas organizações. E Brizola estava à frente desse processo, sendo reconhecido como uma importante liderança.
“Apesar de eu falar que a derrota se deu em 1961 e se consolidou em 1964, não se tinha claro isso na época. Tinha sido uma vitória da democracia”, explica Aurélio. Quando o golpe se consolidou de fato em 1964, Jango resolveu não lutar. Brizola, no entanto, entendia que era necessário ter resistência. “Tanto é que ele participou da primeira organização de resistência e enfrentamento ao regime militar, que foi o Movimento Nacionalista Revolucionário”, afirma, lembrando que a luta ia além: “Muito me revolta quando ouço as novas gerações e, alguns da velha também, dizendo que eles lutavam pela democracia, quando na verdade lutavam pela liberdade. A violência revolucionária é fruto da violência da ordem, é uma resposta a violência da ordem”, complementa.
Brizola e Getúlio
Ao ser questionado se o último getulista foi Brizola, Aurélio respondeu com uma provocação: “o último getulista foi o Lula, que é quem prega conciliação capital-trabalho, que é o que Getúlio pregava”. Risos e provocações à parte, Aurélio afirma que Brizola entedia a importância do Getúlio e não necessariamente defendia. Ele destacou a importância de compreender o papel do Estado Novo naquele contexto e a complexidade da realidade dos trabalhadores. Para ele, as lutas do povo são encadeadas por um processo de tomada de consciência e experiências e o grande desafio das organizações de esquerda é resgatar o fio da história. Isso, argumenta, não significa não ter críticas. Desta forma, conclui que é necessário compreender qual getulismo Brizola reivindica, e que ele seria “getulista de esquerda”.
Brizola e a Ditadura
Durante a ditadura, Brizola precisou sair do país. Ao voltar do exílio, se posicionava como social-democrata. Na época, Aurélio era da juventude socialista do PDT e lembra-se que esse posicionamento pode ter sido um erro. Quando em 1982 abre-se a perspectiva concreta de Brizola chegar à presidência, o partido pensou em uma estratégia eleitoral. “Havia uma crítica ao Brizola incendiário, maluco, que queria implantar o comunismo no Brasil e as pessoas acreditavam nisso. Ele se dizia social-democrata com pimenta. Mas isso impedia ele de ser quem ele era”, avalia.
Políticas públicas em pauta
Aurélio acredita que a origem camponesa pobre e a possibilidade de estudar, com muita dificuldade, influenciaram os ideais que Brizola tinha a respeito da Educação. Quando governador do Rio Grande do Sul, construiu mais de 6 mil escolas.
“Brizola tinha essa concepção de que educação era fundamental e que está inserida nas questões da saúde, cidadania, segurança alimentar. E por isso não deu certo, porque a nossa classe dominante não quer isso. O Darcy [Ribeiro] é muito claro ao dizer que essa péssima educação é o projeto da classe dominante para não dar certo”, afirma Aurélio, destacando que, para Brizola, a educação era uma forma de lutar contra o imperialismo.
Já no que se refere a área de segurança pública, Brizola também se destacou no governo do Rio de Janeiro ao proibir operações policiais em favelas, talvez a ação que mais o comprometeu politicamente. Aurélio conta que Brizola encontrou Abdias Nascimento no exílio e conversaram sobre as pautas do movimento negro, o que inspirou Brizola a refletir sobre essas questões. Dentro desta luta, está a questão da segurança pública e o projeto de extermínio da população negra. “É uma herança do nosso passado escravista, porque acho que a mentalidade ainda é essa, hoje são outros tipos de escravidão, mas o racismo estrutural está presente no dia a dia. Então ele vai implementar uma política de segurança que rompe com isso”, explica Aurélio, argumentando que Brizola sabia que não faria mudanças profundas sendo governador, ele não tinha essa ilusão. Mas, sabia que as políticas implementadas tinham que denunciar as injustiças e opressões.
* Jéssica Santos é jornalista e membra da Rede de Comunicadores do NPC.